segunda-feira, 13 de março de 2017



13 de março de 2017 | N° 18791 
DAVID COIMBRA

O fim do jornalismo

Dizem que o jornalismo vai acabar, que está acabando. Bem. Quero assegurar que, apesar de me preocupar um pouco, não fico ressentido. As coisas acabam. Algumas são feitas para acabar. As paixões avassaladoras, por exemplo, o ideal é que não apenas terminem, mas terminem incompletas. Se as paixões avassaladoras terminam de forma abrupta, aí sim, se eternizam. Continuam vivas num suspiro, num olhar comprido para o vazio, no desfrute das delícias da saudade. Caso contrário, diluem-se melancolicamente, e é como se nunca tivessem existido – pior do que deixar de existir é nunca ter existido.

O que foi feito dos milhões de pessoas que fabricavam máquinas de escrever e de telex, fitas cassete e de vídeo, mercúrio e mertiolate, orelhões e secretárias eletrônicas? O que foi feito dos donos de fliperama, dos entregadores de leite e dos operadores de telefonia? O que foi feito dos ponteiros abertos, dos grandes oradores e da mesóclise?

Acabou. Tudo isso acabou, com exceção da mesóclise, que o Temer ainda usa.

Encaro o fim do jornalismo, portanto, com resignação filosófica. Haverá até certo charme quando, mais tarde, puder contar aos jovens: – Naquele tempo, quando existia jornalismo, as pessoas achavam que nós éramos poderosos. Elas nos chamavam de “A Mídia”. Era bom...

Sim. Talvez seja divertido. O problema é: o que vou fazer? Isso de escrever e vender livros está se esvaindo junto com o jornalismo. Fora de cogitação. Muitos de meus colegas são professores. Já fui professor. Ou, melhor, já tentei ser, e fracassei. Desisti, em respeito à educação.

Gostaria de ter uma tabacaria, mas que tabacaria sobreviverá sem jornais, livros e... bem... tabaco?

Outra: loja de brinquedos. Se tem algo que acho bonito é loja de brinquedos. Mas, observando o meu filho, desanimo. Às vezes, ele ganha um brinquedo e nem tira da caixa. Só quer saber de Xbox, Roblox, Minecraft, esses troços de computador. Pior, você nem imagina: ele passa na frente de uma loja de brinquedos E NEM OLHA A VITRINE! Eu é que peço para entrar, e ele, de má vontade:

– Tá bom, pai... O que farei?

Conheço caras que largaram suas profissões para se tornarem “maridos de aluguel”, o chamado “faz-tudo”. O sujeito carrega sua maleta de ferramentas no carro e se encarrega de todo tipo de reparos, de torneiras a tomadas. Considero essa atividade real motivo de orgulho masculino, mas não conseguiria empreendê-la. Mal sei dar o laço no cadarço. Como marido de aluguel, o máximo que poderia fazer seria assistir ao jogo e pedir para a mulher me trazer cerveja da geladeira.

Poderia ser consultor. Mas de quê? Os temas de minhas prováveis consultorias estão acabando.

Já tentei ser vendedor, também, e me saí ainda pior do que como professor. Lamentável, porque as pessoas que enriquecem são as que sabem vender.

Neste momento, você deve estar rindo, chamando-me de inútil. Certo, sou, mas vou lhe dar uma notícia: você também. Motoristas de táxi serão eliminados pelos aplicativos. Motoristas em geral serão eliminados pelos carros automáticos. Sapateiros, como era meu avô, não se encontram em lugar algum, ninguém mais conserta sapatos. 

Advogados e juízes do trabalho estão com os dias contados. Fotógrafos para quê, se todo mundo tem celular? Lojas serão fechadas, porque as pessoas compram pela internet. Com os e-mails, carteiros tornaram-se dispensáveis. Fábricas não precisam de operários, porque têm robôs. Bancos não precisam de bancários, porque têm máquinas de autoatendimento. Com a violência, ninguém mais vai ao teatro, ao cinema, a restaurantes, a lugar nenhum.

Nós estamos acabando! Mas, como as paixões avassaladoras, pode até ser bom. No futuro, teremos muitas delícias da saudade a desfrutar.

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