quarta-feira, 8 de março de 2017



08 de março de 2017 | N° 18787 
FÁBIO PRIKLADNICKI

EM DEFESA DOS TÍMIDOS

O ser humano é assim: tem qualidades e defeitos. E tem a timidez. A timidez é um sentimento estranho porque não pode ser considerado nenhuma dessas duas coisas. Ou pode ser as duas. Se você procurar no Google por shyness (ou pelo menos se procurar aqui do meu computador), o mecanismo de busca vai sugerir “shyness is nice”, provavelmente porque muita gente está atrás de informações sobre a grande canção Ask (1986), dos Smiths. 

Você sabe, ela diz assim: “Shyness is nice, and / Shyness can stop you / From doing all the things in life / You’d like to”. Morrissey e Johnny Marr sabiam que a timidez, assim como o mito romance de Jano, tem dupla face: ela é legal, mas pode impedir você de fazer as coisas que gostaria.

Virou lugar-comum estrelas da música, do cinema e da televisão se definirem improvavelmente como tímidos. Mas há polêmica sobre o fato de esse sentimento ser realmente visto como legal, como sugeriam os Smiths. Os tímidos são frequentemente confundidos com arrogantes ou mal-educados. Quem não experimenta essa característica tem dificuldade para entender como funciona a mente dessas pessoas, pois a sociedade espera que, desde cedo, você tenha desenvoltura para a vida em sociedade. E tudo hoje é networking.

A ascensão do estereótipo do geek em um tempo no qual a tecnologia promete mudar tudo que damos como certo parece ter ajudado a levantar a moral dos sujeitos mais reservados. Talvez funcione assim em um nicho, mas de modo a geral segue a incompreensão sobre o que é, afinal, a timidez e como lidar com ela. Se você passar muito tempo quieto em uma mesa de bar, provavelmente ouvirá a famigerada piadinha de que está falando demais e que deveria parar de falar tanto. 

Pessoas que realmente falam muito podem ficar desconfortáveis com a presença de um tímido por acharem que ele está julgando todos em silêncio (nem sempre está). Tímidos, por sua vez, costumam levar numa boa a companhia de gente falante por simplesmente entender que muitas pessoas são assim ou até em agradecimento pelo trabalho de preencher o vazio sonoro de um encontro.

Em defesa dos tímidos, criou- se o imaginário de que são pessoas com sensibilidade mais pronunciada e especial capacidade de observação. Pode até ser, mas prefiro não generalizar. Na maioria dos casos, a timidez continua sendo um obstáculo a ser superado em cada situação. É uma batalha por dia, às vezes por hora. Tanto sofrimento pode ter um efeito paradoxalmente terapêutico: chega uma hora em que você cansa da brincadeira toda e resolve ser feliz do jeito que é. Na maioria das vezes, é uma boa escolha.

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