09 de março de 2017 | N° 18788O
PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno
Apotegmas
ENTÃO O BOÇAL confundia artigo com preposição e me recomendava ler uma gramática atualizada
Há certos ditos de rara felicidade que se tornaram famosos em nossa tradição por causa de seu extraordinário poder de síntese. Geralmente proferidas por algum personagem ilustre, essas frases, que passaram a fazer parte do arsenal de escritores de todas as épocas, eram chamadas pelos gregos de apotegmas (“máximas, sentenças, preceitos”). Na cidade de Esparta, por exemplo, no monumento moderno que foi erigido ao grande general Leônidas, herói das Termópilas, pode-se ver a inscrição “Molon labe”, a resposta que ele mandou a Xerxes, rei da Pérsia, que exigia que os espartanos entregassem suas armas: “Vem e toma” – ou, mais à moda gaudéria, “Vem buscar”.
Pois esta semana, cometi a imprudência de visitar um fórum de discussão de questões de Português e – bingo! – tive um encontro inevitável com aquilo que chamo de “ignorância proativa”. O grupo tentava entender por que, no Inglês, o nome do nosso país é escrito com “Z”, e vi, para meu espanto, que a maior parte dos debatedores justificava isso como uma simples decorrência do “desprezo” que os Estados Unidos têm por nossa Pindorama.
Diante dessa asneira – aliás, fiel à inscrição que vai constar na minha lápide: “Lutou contra a ignorância, mas foi vencido” –, não resisti e expliquei, com paciência, que “a princípio nós próprios escrevíamos Brazil, e foi assim com esse nome que eles conheceram nosso país; quando mudamos para o “S”, por razões etimológicas (o pau-brasil, cor de brasa, etc.), aquela forma já estava consagrada na língua deles”.
Pronto! Foi como agitar um pano vermelho, pois logo um boi-corneta se destacou da tropa e veio com quatro pedras na mão: “Escreve a princípio e ainda quer dar lição? Sério? Recomendo comprar uma gramática atualizada”. Bem feito para mim, pensei, que já devia ter aprendido que essas discussões na internet atraem o que há de pior na Humanidade.
Como já estava envolvido no rolo, porém, reagi com fidalguia, explicando que a princípio estava corretamente empregado, pois significa “no início”, diferentemente de em princípio, que significa “em tese”. O sabidinho, do lado de lá, não acusou o golpe e retrucou com uma pérola: “O uso de a princípio é totalmente equivocado porque todo o mundo sabe que uma palavra masculina não pode ter artigo feminino na frente”...
Então o boçal confundia artigo com preposição e me recomendava ler uma “gramática atualizada”? Aquele fórum era pura perda de tempo, mas resolvi, antes de sair, lançar um osso no meio da cachorrada – ne sutor ultra crepidam – em Latim, mesmo, para mostrar com quem estavam falando. Este celebérrimo apotegma de Apeles, um dos mais famosos pintores da Grécia antiga, cabe como uma luva para nosso caso. Acostumado a expor suas pinturas ao público, na porta do ateliê, ficou surpreso quando um sapateiro (sutor, em Latim) informou-lhe que havia um erro no desenho da sandália (crepidam, em Latim).
No dia seguinte, ao ver que Apeles tinha feito a correção indicada, o sapateiro começou a tecer críticas também à maneira como o pintor tinha retratado as mãos do personagem – momento em que Apeles o escorraçou. “Não vá o sapateiro além da sandália” tornou-se um excelente inseticida para espantar aqueles que, presunçosos ou imprudentes, vão além do limite do seu conhecimento e se põem a dar opiniões taxativas sobre algo que não dominam.
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