25 de março de 2017 | N° 18802
PIANGERS
Estou passando por mudanças
Há 10 anos, recebi a proposta de vir trabalhar em Porto Alegre. Morávamos em Florianópolis, nossa primeira filha tinha acabado de nascer e faltava dinheiro todo final de mês. Comíamos pizza congelada quase todos os dias, a cerveja custava R$ 1,29, pagávamos R$ 1 (R$ 1!) pelos filmes da locadora de vídeo e ainda assim faltava dinheiro todo final de mês. Eu ganhava cerca de R$ 700 trabalhando como locutor na rádio e mais R$ 1 mil apresentando um programa de televisão. Os gastos com fraldas e o parto inesperado impactavam nossas finanças. Com a proposta de mudança pra Porto Alegre, meu salário iria para cerca de R$ 3 mil.
Me sentia milionário, mas nunca me deslumbrei com a abundância. Sempre respeitei a escassez. Demorei anos pra trocar de carro (era piada entre os amigos), comprei muita roupa em brechó, aceitei de presente os berços e uniformes escolares. Vivi 10 anos em uma cidade incrível: andávamos de bicicleta pelo Marinha, íamos com as meninas no Iberê, tomávamos os deliciosos sucos do Tropical Banana do Barra Shopping. Tive sorte no trabalho, nossa vida melhorou. Com o tempo fomos sendo reconhecidos na rua, sempre com carinho e respeito. Éramos como que da família de todos os gaúchos. Isso sempre foi muito tocante, e somos gratos.
Então, 10 anos depois, minha esposa pressentiu que era hora de mudar. Acho justo que não seja sempre o homem puxando a mulher. Acho justo e benéfico, já que todas as vezes que ela me puxou pra qualquer lado me tornei melhor. Era hora da gente tentar ser ainda mais feliz. Deixamos pra trás algumas canecas, CDs, umas caixas de tralha. Quando você se muda, percebe o quanto tem coisas demais. Você consegue viver com muito menos. Sobra só o que importa. Uma mudança dá um frio na barriga. Gelado e, ao mesmo tempo, refrescante.
Na cidade nova, temos avó, irmãos, primos. As meninas estão felizes e seguras, toda hora tem gente lá em casa. Me sinto de férias o tempo todo. Nosso apartamento é mais antigo do que o de Porto Alegre, não tem elevador ou áreas de lazer modernas. Não tem parquinho ou espaço gourmet.
Temos que subir quatro lances de escada com compras, mochilas, às vezes, com crianças no colo. Nosso fogão de três bocas (umas está entupida) está bamba, colocamos um papelão dobrado pra estabilizar. Pendurei o varal de teto, troquei as tomadas para três pinos. Temos wi-fi e luz do sol pela manhã. Ontem dormimos abraçados. A gente precisa de pouco pra viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário