01
de setembro de 2014 | N° 17909
MOISÉS
MENDES
O macaquinho
Atorcedora
que chamou o goleiro de macaco vai reaparecer pedindo desculpas. Manifestações
como a dela não resultam, como alguns pretendem, de convicção sustentada por
pretensa orientação ideológica, política, religiosa ou antropológica de séculos
passados. Claro que o racismo tem substância teórica e prática, mas não nesse
caso.
Nos
gritos da moça, aconteceu o contrário. O que houve ali foi uma manifestação de
ingenuidade, desinformação, imaturidade, tudo combinado com a escassez de
recursos para ter a compreensão do que significa tentar desqualificar um negro
num país traumatizado por três séculos e meio de escravidão.
Então,
não se diga que a moça é uma racista convicta. É apenas uma torcedora sob o
comando de impulsos. É uma das tantas jovens embrutecidas por bobagens
potencializadas pela redes sociais, que desorientam a puberdade hoje prolongada
para além dos 30 anos.
Não
há no gesto da moça nada mais pretensioso ou elaborado. Não é alguém que tenha
avançado até uma enganosa compreensão do mundo, para finalmente se ver como um
ser superior. Ou não andaria por aí, carregando sob o braço, como mostram as
fotos na internet, um macaquinho de pelúcia com a camiseta do Internacional.
Uma
moça infantilizada “denunciou” (para se exibir aos telões?) um homem negro que
seria um macaco. Um macaco que defendia tudo o que os jogadores do Grêmio
chutavam contra o seu gol. E que estava vencendo o jogo.
Não
são poucos os perdedores que andam vendo macacos. É grande o desconforto com o
aumento de negros médicos, engenheiros, que circulam em carros do ano, negros
do Prouni e até os negros que subsistem com o Bolsa Família. Sem falar nos que
decidiram andar de avião.
A
segunda coisa que quero dizer é sobre uma aventada semelhança entre as
expressões e os gestos da moça e as que se dirigem aos árbitros, como filhos da
p.
Fdp
é algo tão desqualificador? Uma prostituta deixa de ser pessoa ou mulher? A
grande Rose Marie Muraro exaltou, há mais de meio século, a dignidade das prostitutas
– não da atividade, na maioria das vezes explorada com violência, mas das
mulheres que dela dependem.
Há
alguns anos, fiz uma reportagem sobre ex-prostitutas. Ouvi uma moça criada por
uma delas, a professora Jara Fontoura da Silveira. Quem acha que desqualifica
alguém definindo-a como prostituta, que fale com a professora Jara, doutora em
Educação Ambiental, na Universidade Católica de Pelotas.
Mas
não há como negar que existe, sim, tentativa de desqualificação num ataque, com
ofensa racista, a um negro que alguém considera “incômodo”.
Qualquer
estudioso da escravidão nos diz que o processo de anulação do negro passava
pela coisificação e pela animalização. Um dia, a guria da Geral do Grêmio
ficará sabendo disso. Se conseguir largar o macaquinho de pelúcia.
É
estranho que, na foto em que grita macaco, com a boca aberta, a torcedora tenha
ficado com a expressão da famosa figura do Grito, da tela de Munch. Como se
fosse assombrada pelo próprio assombro.
Sant’Ana
sai por uns dias para uma cirurgia. Eu fico por aqui até sua volta. Estaremos
todos na torcida.
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