sábado, 2 de outubro de 2010



02 de outubro de 2010 | N° 16476
PAULO SANT’ANA


Problema a mais

Vou publicar uma carta hoje, mas não porque eu esteja com falta de assunto. Tenho bastante assunto e inspiração. Vou publicar esta carta porque ela é importante para a questão da saúde pública. E esta coluna por vezes é acionada pelo dever social.

O remetente pediu para que sua identidade fosse preservada. Mas ele assinou o texto. Vou tentar resumir a extensa carta.

“Sant’Ana. Sou médico do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre e leitor assíduo de sua coluna. Tenho, desta forma, conhecimento de sua corajosa e imparcial luta diária por melhorias para a população porto-alegrense nas mais diversas áreas, incluindo também a saúde.

Assim, venho através desta relatar diversos fatos que vêm ocorrendo no Sistema Único de Saúde de nossa Capital por imposições da Secretaria Municipal de Saúde, ambientados, neste relato, na Santa Casa, porém sabidamente ocorrendo em todos os hospitais regidos por esta secretaria do município de Porto alegre.

Para entenderes as mudanças impostas recentemente pela secretaria municipal, relatarei brevemente como era o modelo assistencial oferecido à população gaúcha neste complexo hospitalar até maio do presente ano. Devemos entender que esta assistência estava longe do ideal, mas, da forma como está para se transformar, tornar-se-á impraticável, trazendo inegável prejuízo a esta já carente população.

A Santa Casa, por ser um hospital terciário e, portanto, destinado às especialidades médicas de média e alta complexidade, não pode ser porta de entrada do SUS para os pacientes. Dessa forma, para conseguir consulta em alguma especialidade médica, o paciente deve, obrigatoriamente, dirigir-se a um posto de saúde e aguardar horas na fila.

Após esta espera, nem sempre frutífera, em consulta com o médico da família do posto de saúde, deve relatar seu caso e receber o encaminhamento para algum centro especialista. Cabe salientar aqui que este encaminhamento será enviado à Secretaria de Saúde e que esta destinará o paciente a algum centro de referência na especialidade necessária. Nesse trâmite, o paciente recebe um número (CMCE – Consulta médica em centro especializado específico para a especialidade requisitada).

Logicamente, esse processo, devido à grande demanda, demora, por vezes, anos para se processar. Não raro, atendemos pacientes que aguardaram quatro, cinco, até seis anos para serem encaminhados do posto de saúde à Santa Casa. Entretanto, neste modelo, caso o enfermo, agora já paciente da Santa Casa, necessitasse de outra especialidade médica, o médico da especialidade que o está atendendo poderia solicitar uma interconsulta para outra especialidade do complexo.

Tomando, por exemplo, um paciente que foi encaminhado do posto de saúde à cardiologia da Santa Casa por apresentar provável insuficiência valvar e, durante seu atendimento, o médico julgou ser necessário acompanhamento da neurologia ou cirurgia vascular, bastaria solicitar interconsulta e o paciente estaria sendo atendido plenamente em todas as suas necessidades.

Assim como um paciente encaminhado do posto de saúde à cirurgia oncológica para ressecar um câncer de pele, caso necessite de biópsia prévia (maioria dos casos), poderia ser encaminhado à dermatologia da própria Santa Casa por interconsulta para tal procedimento. Como referido anteriormente, este modelo não é ideal devido à longa espera para atingir o centro terciário, porém bastante efetivo, ágil e resolutivo após ter chegado ao centro especialista.

Há aproximadamente três meses, por imposição da Secretaria Municipal da Saúde, os pacientes, mesmo em acompanhamento em alguma especialidade da Santa Casa há anos, mas não portadores do número do encaminhamento (CMCE), caso necessitem de algum procedimento, não podem ser submetidos a tal.

Isto nos gera grandes problemas, pois os pacientes são, habitualmente, encaminhados sem tal número, mesmo que ele exista. Assim, pacientes da Santa Casa em acompanhamento desde 2003 por exemplo, necessitam retornar ao posto de saúde para obter esse número (nem sempre fornecido), ou não são operados.

Hoje, este quadro se agravou, pois recebemos um ofício da direção executiva da Santa Casa decretando que as interconsultas passaram a ser proibidas dentro dos hospitais terciários. É o fim da picada... Pobres dos pacientes e de nós, médicos.”

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