sábado, 2 de outubro de 2010



02 de outubro de 2010 | N° 16476
CLÁUDIA LAITANO


Feito pela ocasião

Há versões de nós mesmos que nunca chegaremos a testar na prática. Podemos imaginar que diante de determinada circunstância provavelmente agíssemos desse ou daquele modo, mas é só na hora da dor que a gente descobre se é do tipo que geme. A ocasião faz o ladrão, mas faz o honesto também. Faz o bravo e o covarde, o bom e o mau-caráter, o justo e o traidor. O resto é ficção, um livro que nunca foi escrito.

É verdade que nem sempre seremos confrontados com os eventos que trarão nosso melhor ou pior lado à tona. O herói que nunca encontrou uma causa em tudo se parece com o sujeito comum, desses que cruzam com a gente na saída do supermercado e comentam sobre o tempo e o resultado da loteria. Tivessem as circunstâncias certas se apresentado, poderia ter mudado a história ou feito parte dela. Mas um herói sem causa é apenas uma promessa não cumprida, uma energia desperdiçada nas pequenas causas.

Alguém que morre repentinamente, sem tempo para se preparar ou pensar no assunto, nunca saberá com que armas enfrentaria a iminência da morte. Seria corajoso diante da doença o mesmo homem que diz não ter medo de nada? Se agarraria à vida com raiva e indignação ou encontraria força para uma despedida serena? A gente nunca sabe, e mesmo imaginar não é lá muito fácil.

Do amor romântico se diz que ficou “líquido”, descartável, passageiro. E a lealdade também é passageira? Será possível encontrar nas sobras de um relacionamento a força para manter o respeito por alguém que um dia se amou? Quem se apaixona por um homem ou uma mulher nem sempre consegue imaginar como o outro se comportaria na hipótese do fim do amor ou da traição. O amor que termina mais ou menos bem foi testado na prática – e sobreviveu.

O poder é dessas coisas que, infelizmente, nunca se sabe bem no que vai dar. Um funcionário modesto que se aposenta na mesma função que ocupou durante toda a vida nunca saberá que tipo de líder seria se a oportunidade tivesse se apresentado. Arrogante ou generoso? Truculento ou boa-praça? Honesto ou nem tanto? E se tivesse sido vereador, deputado, presidente?

Os brasileiros gostam de imaginar que são melhores do que os políticos que os representam, e em muitos casos são mesmo. Mas o fato é que poucos de nós teremos a chance de sermos testados nessa delicada posição de quem abraça a vida pública – com todos os desafios à ética pessoal e à integridade que ela inevitavelmente impõe.

Muitos não resistem à sedução das pequenas e grandes traições aos princípios – e nem sempre é fácil distinguir entre tantos discursos parecidos aquele dos que nunca tiveram princípio algum para trair. Algumas pessoas crescem com o poder, outras se apequenam. A gente nunca sabe, apenas imagina.

Tudo o que podemos desejar é que o próximo presidente da República aproveite a chance que o Brasil está lhe dando para ser, no poder, muito maior do que foi até agora.

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