sábado, 6 de dezembro de 2008



06 de dezembro de 2008
N° 15811 - CLÁUDIA LAITANO


Ignorância seletiva

Uma das retrospectivas mais interessantes divulgadas nesta época do ano é organizada pelos editores do dicionário Webster’s New World.

Enquanto a maioria das publicações trata de revisar o ano que passou relembrando as personalidades e os fatos que foram manchete, a equipe do Webster’s sai à cata das palavras que entraram no vocabulário dos americanos nos últimos meses – rastreando jornais, revistas, sites e programas de rádio e TV.

Como o universo de informação que abastece o Webster’s é mais ou menos o mesmo em boa parte da fatia bem alimentada do planeta, a palavra do ano funciona, mesmo quando traduzida para outros idiomas, como uma boa sinalização dos assuntos mais comentados da temporada – além de registrar aquilo que os alemães batizaram de “zeitgeist”, o espírito do tempo, que nada mais é do que o repertório de idéias e interesses que boa parte de nós, os alimentados, compartilha.

Em 2008, não foi diferente: cada uma das cinco expressões selecionadas pelo Webster’s para disputar a vaga de palavra do ano revela um pouco da nossa época e de suas idiossincrasias. Você pode nunca ter lido ou ouvido a palavra “overshare” (algo como “superexpor-se”), por exemplo, mas com certeza sabe o que isso significa.

O termo, que acabou sendo o mais votado pelos internautas, refere-se a duas maneiras diferentes de levar a intimidade a público: através de sites de relacionamento, blogs e fotologs que acompanham cada suspiro de cada dia da vida de um número cada vez maior de pessoas ou, no caso das celebridades, através de entrevistas que revelam tudo o que você nunca quis saber sobre uma pessoa que não faz parte das suas relações.

A palavra número 2 , “cyberchondriac” (algo como “hiponcondríaco virtual”), flagra outra esquisitice contemporânea.

O cybercondríaco é aquele sujeito que entra em pânico com os sintomas imaginários de doenças que ele descobriu na internet – fazendo aquele cursinho rápido de medicina aplicada e farmacologia que o Google oferece gratuitamente para qualquer um com curiosidade e coragem suficientes.

O mal-estar na palavra número 3, “leisure sickness” (doença do lazer), pode ser igualmente imaginário, mas ataca apenas quem está de folga ou de férias – vai entender. Já a palavra número 4, “youthanasia”, leva a maluquice a níveis ainda mais surpreendentes:

trata-se do termo cunhado para designar uma bateria de procedimentos antiidade realizados, todos ao mesmo tempo, em pacientes obcecados pela idéia de retardar os efeitos visíveis do tempo.

A minha favorita nesta listinha de cinco palavras que resumem 2008 merece um parágrafo só para ela. “Selective ignorance” (ignorância seletiva) é a prática de deliberadamente ignorar informações desnecessárias ou irrelevantes recebidas por e-mail ou outro meio de comunicação qualquer.

“Ignorar seletivamente”, além de aliviar o peso da nossa caixa postal mental, é aprender a identificar, em meio a um turbilhão de notícias, fofocas, mensagens, torpedos, correntes, boatos... , aquelas informações que realmente merecem o melhor de nós e da nossa atenção.

Em uma época em que a informação se tornou tão onipresente e, às vezes, até massacrante, o verdadeiro conhecimento depende, cada vez mais, não apenas do que a gente se dedica a aprender, mas também do que a gente escolhe ignorar.

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