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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
05 de dezembro de 2008
N° 15810 - DAVID COIMBRA
A voz de uma mãe do outro lado da linha
Quarta-feira passada eu estava na Feira do Livro de Osório e alguém me perguntou:
– O que mudou na tua vida com o nascimento do teu filho?
Tenho ouvido muito essa pergunta. É algo que desperta a curiosidade das pessoas, já percebi. Respondo sempre que minha rotina não mudou tanto.
A mudança foi mais sutil, e também mais profunda. Descobri em mim um sentimento que não tinha. Ou que achava que não tinha – o tal amor incondicional dos pais. É um sentimento que dispensa retribuição e, exatamente por isso, torna-se uma aflição e uma angústia.
Porque a minha serenidade depende do bem-estar do outro, não da reciprocidade do outro. Afinal, a estima de alguém é muito mais fácil de conquistar e de controlar do que a felicidade de alguém.
Nesta mesma quarta-feira, minutos antes de sair da Redação rumo a Osório, recebi a ligação de uma mãe angustiada. Ana Maria Villodre, mãe de Eduardo, torcedor do Grêmio acusado de ter se envolvido na briga que terminou em tiros depois de um jogo, dias atrás. Notei o desespero da mãe logo nas suas primeiras palavras. Ela começou se desculpando pela ligação.
Dizia que nem sabia exatamente por que ligava. Talvez por ser minha leitora e por não ver mais a quem apelar. Explicou que seu filho tem 28 anos, é gerente de um banco e mora com ela e o pai em Canoas. Como tenho acompanhado meio distraidamente esse noticiário, quis saber:
– Onde está o seu filho agora? Foi quando ela desabou.
– No presídio! – gritou, aos soluços. E prosseguiu num choro convulso: – No presídio! Meu filho está no presídio! Ah, meu Deus, ele mora comigo, ele tem residência fixa, ele trabalha num banco, por que tinham de levá-lo para o presídio?
E o que estão dizendo dele nas rádios e nos jornais? O meu filho não é racista. Eu também vou ao jogo nesta torcida, o pai dele e a namorada dele também. Eles não conhecem o meu filho! Ele é meu filho! E está no presídio!
Foi como se me tivessem dado uma facada no peito. Pensei no meu filhinho, sim, mas também pensei na minha mãe, e entendi o desespero da leitora que me ligava. Senti pena daquela mãe e, se pudesse, a ajudaria. Buscaria seu filho na cadeia e o devolveria aos seus braços.
Não sei se o filho dela é culpado ou inocente, não sei se deveria ou não estar preso, nem sei quem tem razão neste caso.
Mas sei que nada disso, a briga, os tiros, as prisões, e também o tanto de crueldade que há pelas ruas da cidade, nada disso aconteceria se as pessoas pensassem no sentimento que citei acima, no imenso e incondicional amor que um pai e uma mãe sentem por seus filhos.
Porque quem quer infligir dor no outro talvez hesite ao lembrar que pode infligir dor em terceiros.
Em uma mãe ou em um pai que são como a mãe e o pai que ele próprio tem. Porque o que nos falta, e cada vez nos falta mais, é precisamente isso: de vez em quando, olhar com os olhos do outro, sentir como se fosse o outro.
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