quinta-feira, 4 de dezembro de 2008



04 de dezembro de 2008
N° 15809 - LF VERISSIMO


Símbolos

Ninguém ainda disse que nas origens dessa crise, além da ganância descontrolada e das maracutaias de alto escalão, há um toque de generosidade. Tudo começou porque deram empréstimos imobiliários a quem não podia pagar, aos tais clientes “subprime” cujo calote era certo.

Não foi o bom coração dos banqueiros (um oxímoro) que decretou que mau pagador também merecia crédito e que caloteiro também merecia casa. Suas dívidas eram transformadas em títulos negociados em cadeia no grande troca-troca que sustentava o mercado de mentira, e tanto fazia os devedores serem “prime” ou “subprime”, de alto ou de baixo risco, o lucro das financeiras se multiplicava. Mas até a bolha arrebentar, mau pagador foi tratado sem preconceito, caloteiro não foi discriminado e tivemos um inspirador exemplo de capitalismo popular em ação.

O Baraca tanto prometeu mudanças, que acabou decepcionando boa parte dos seus eleitores antes mesmo de começar. Novos presidentes costumam ter uma lua-de-mel com o país nos primeiros dias do seu governo, um período de tolerância ou de amor sem perguntas enquanto toma pé ou acerta a mão.

Muita gente pergunta para que tipo de lua-de-mel o Baraca está convidando o país, com Lawrence Summers e o velho Paul Volcker pensando em maneiras novas de fazer o que já fizeram, e Hillary Clinton, que apoiou a invasão do Iraque, e Robert Gates, que como secretário da Defesa do Bush a comanda, combinando como agora vão ser contra, e todos na mesma cama. Obama, mais do que ninguém, deve saber que o valor simbólico de gestos e nomes muitas vezes é mais importante do que o fato.

A própria eleição de um negro para a presidência dos Estados Unidos tem um significado simbólico que se sobrepõe a qualquer outro, e será sempre maior do que qualquer fato do Baraca, mesmo seu centrismo decepcionante. Mas seu gabinete anunciado não simboliza as mudanças prometidas, simboliza a mesma coisa. Em alguns casos com a mesma cara.

A gente vive atrás de símbolos, e os mais procurados são os que marcam, convenientemente, o fim ou o começo de períodos históricos.

Gostamos de frases sintéticas tipo “o século 19 acabou mesmo com o naufrágio do Titanic” ou “a revolução sexual começou com a bunda de fora da Brigitte Bardot”.

A Ford está entre as montadoras americanas que nesta semana foram pedir ajuda ao Congresso americano para não naufragarem, e se há um fato que simbolizaria o fim de várias eras, idades, ciclos e mundos seria o anúncio do fim da Ford.

Foi a Ford – ou, no caso, o Ford, Henry, grande visionário, grande patife – que inventou a civilização em que vivemos, o carro massificado, o ar envenenado, a linha de montagem desumanizada, o operário consumidor, um verdadeiro capitalismo popular e um proletariado em grande parte politicamente neutralizado.

E mudou a face da Terra. Cair a Ford seria, sei lá, como cair o nariz de um daqueles rostos de presidentes americanos esculpidos na rocha.

Olga

A Olga Reverbel gostava do teatro, do Carlos e da vida, não necessariamente nesta ordem, e estava na lista de preferências afetivas de muita gente. Certamente na minha, que nunca conheci uma pessoa mais inteligente e divertida. Foi duro saber da sua morte, na segunda-feira passada, em Santa Maria.

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