sábado, 29 de janeiro de 2022


29 DE JANEIRO DE 2022
PANDEMIA

DO SPRAY À PÍLULA

CIENTISTAS TRABALHAM NA SEGUNDA GERAÇÃO DE VACINA CONTRA COVID

Em formato de pílulas, sprays nasais ou à prova de mutações: a segunda geração de vacinas contra a covid-19 está a caminho. O surgimento de variantes altamente transmissíveis, como a Ômicron, e a perspectiva de que o mundo terá de conviver com o coronavírus impulsionam pesquisas nessa área. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que há 140 imunizantes em fase de estudo clínico - quando a vacina é testada em humanos - e 194 em estágio pré-clínico, com testes em animais. .

Imunizantes hoje à disposição vêm cumprindo muito bem sua função principal: prevenir o adoecimento e a morte. O desenrolar da pandemia já deixou claro que as vacinas podem ser aprimoradas para reduzir infecções e transmissão. Hoje, especialmente com a Ômicron, vacinados se infectam e transmitem, ainda que em escala menor do que não imunizados. O avanço da variante fez a Coalizão Internacional de Autoridades Reguladoras de Medicamentos convocar uma reunião para debater "estratégias de longo prazo" sobre tipos de vacinas necessárias para gerenciar a covid-19.

- Uma das razões pela qual a Ômicron é tão transmissível é que muita gente já vacinada tem o vírus (alojado) no nariz, mas é assintomático - diz o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Kalil.

O cientista quer armar o organismo contra o Sars-Cov-2 antes que ele invada e se multiplique pelo corpo. Por isso, desenvolveu uma vacina de spray nasal - poucas com este método estão em teste no mundo.

- O gol final é ter uma vacina de imunidade esterilizante, aquela que gera tantos anticorpos na porta de entrada de forma que o vírus praticamente não infecta. Mas isso é difícil de alcançar - diz o virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale e membro do comitê de especialistas da Rede Vírus, do Ministério da Ciência e Tecnologia.

De toda forma, tecnologias como a do spray nasal podem, se não barrar totalmente a entrada do Sars-Cov-2, reduzir o alcance, diminuindo o contágio. E, embora não tenham efeito direto no nariz, vacinas injetáveis, no braço, também diminuem a transmissão porque evitam a replicação do vírus dentro do corpo. Essa função é melhor desempenhada à medida em que o imunizante é capaz de atacar de forma certeira a variante em circulação.

À prova de mutações

Outros estudos em teste miram evitar o problema das mutações, com vacinas "à prova de variantes". Uma das tentativas é da empresa Gritstone bio, dos EUA, que projetou um produto com foco nas células assassinas de estruturas infectadas pelo vírus. O CEO André Allen diz que a vacina é um primeiro passo para desenvolver um imunizante "pancoronavírus".

Já em teste em brasileiros, uma vacina desenvolvida pelo Senai Cimatec, em parceria com a empresa estadunidense HDT Bio Corp, aposta em alta proteção com baixíssimas doses - até 30 vezes menores do que a da Pfizer. Isso é possível porque o imunizante usa uma técnica para que o RNA - que contém informações para a síntese de proteínas - se autorreplique nas células.

Uma das possíveis vantagens seria juntar, em uma só injeção, doses projetadas para cada uma das variantes. O fato de cada dose ser pequena facilitaria, em tese, criar esse "combo" sem causar tanta reação.

- A expectativa para o futuro é que essa plataforma consiga ter o RNA de diferentes variantes por causa da tecnologia de baixíssimas doses. Talvez seja possível ter uma vacina multivalente - diz a pesquisadora Bruna Machado, líder técnica do projeto no Senai Cimatec.

Outras vacinas estão mais adiantadas: a da estadunidense Novavax, sem o RNA mensageiro, foi aprovada na Europa. Contra o medo das agulhas, há propostas como a da Vaxart, na Califórnia, que criou uma vacina em forma de pílula e começou testes em humanos. Além da possibilidade aumentar a proteção na mucosa da boca, outra vantagem seria a facilidade de transporte e administração.

Pesquisas da segunda geração encontram entraves logísticos e financeiros. O spray nasal do cientista Jorge Kalil está travado pela dificuldade de conseguir lotes piloto para ensaios em seres humanos. Não há como fabricá-los no Brasil. Outra vacina em parceria com pesquisadores da USP, a Versamune, também atrasou.

- Houve escassez geral: de luvas a frascos para envases - diz Helena Faccioli, CEO da Farmacore.

 JÚLIA MARQUES

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