22 DE JANEIRO DE 2022
OPINIÃO DA RBS
AUTONOMIA CONSTITUCIONAL
O protagonismo assumido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) durante a pandemia chama a atenção para o papel das agências reguladoras numa democracia jovem como a brasileira em que o Estado e o mercado ainda delimitam seus espaços. Autarquias especiais, dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, essas organizações têm seus dirigentes indicados e nomeados pelo presidente da República após prévia aprovação do Senado Federal. Seu papel constitucional é fiscalizar, orientar e regular a prestação de serviço público e o exercício de atividades econômicas por particulares.
Criadas na segunda metade da década de 90, quando o Estado brasileiro começou a privatizar empresas públicas e a se retirar de atividades econômicas para as quais não era vocacionado, as agências federais ainda carecem de uniformização de regras para exercer suas funções sem conflitos que muitas vezes desembocam no Judiciário. Mas um dos pontos da lei que as instituiu continua sendo inquestionável: o que trata da autonomia. Diz claramente o artigo 3º da Lei 13.848, que condensou a legislação anterior em 2019, que "a natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos..."
Por aí se explica a reação do atual presidente da Anvisa, almirante Antônio Barra Torres, às recentes tentativas de interferência do presidente da República nas decisões sobre o uso de vacinas contra a pandemia. Embora o debate tenha resvalado para o pantanoso terreno da política e da ideologia, é insofismável que a Anvisa, no referido episódio, apenas agiu com a independência que o ordenamento constitucional lhe concede e exige.
Mais do que direito, as agências têm o dever de regular determinadas atividades econômicas e fiscalizar a prestação de serviços públicos concedidos, ainda que o poder decisório na aplicação de suas recomendações caiba ao órgão governamental correspondente. No caso das vacinas, o papel da Anvisa é avaliar tecnicamente a segurança e a eficácia dos produtos, aprovando ou rejeitando seu registro. A responsabilidade pela aquisição, distribuição e aplicação dos imunizantes é do Ministério da Saúde.
Não há razão, portanto, para atribuir à agência reguladora o viés político e as suspeitas levantadas pelo presidente da República quando teve seu ponto de vista contrariado. A resposta firme do almirante Barra Torres não foi uma agressão ao chefe do Executivo, como o próprio equivocadamente interpretou. Foi, isto sim, uma manifestação pública da autonomia garantida pela Carta Constitucional aos organismos regulatórios criados para proteger a população de eventuais deformações no processo de transferência de empresas e serviços públicos para a iniciativa privada. Quando um órgão regulatório exerce plenamente seu papel, sem extrapolar nem se submeter a pressões, a democracia se revigora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário