14 DE JANEIRO DE 2022
LEANDRO STAUDT
Memória olfativa e o Arroio Dilúvio
Eu pedalava pelas ruas de Porto Alegre e, repentinamente, vieram lembranças e emoções boas da infância. Não foi voluntário. Olhava para frente, cuidava dos carros que passavam ao lado. Minha atenção era só o trânsito. Ao dar uma espiada para o lado, logo entendi. Eu passava por uma galeteria. O cheirinho bom da cozinha, que estava com a porta aberta, fez meu cérebro me transportar no tempo.
Por alguns instantes, não estava mais de bicicleta na rua, mas entrando no restaurante da minha madrinha Ieda, em Novo Hamburgo, para buscar uma vianda de comida, como fazíamos na infância. Não era só a memória, mas um sentimento ótimo.
O nosso olfato é menos desenvolvido do que em outros mamíferos. Talvez nem demos a ele a importância devida. O sentido é importante na hora das refeições. Nos livra de comidas estragadas. Ele é fundamental para os especialistas em vinho. Até quem nada sabe sobre a bebida faz aquele giro na taça e coloca o nariz perto para sentir os aromas. O olfato pode salvar nossa vida em caso de um vazamento de gás de cozinha em casa. A covid-19 deixou muita gente sem olfato temporariamente. Os pacientes relatam como é ruim não sentir nenhum cheirinho.
A relação com a memória torna o olfato o sentido mais sentimental. A explicação para tudo isso está no nosso cérebro. Quando entro em bibliotecas, volto ao tempo da escola. Se vou a uma igreja, retorno à época da catequese. Incrível como o cheiro das igrejas é igual. Os produtos de limpeza podem me levar para as casas das minhas tias. Como esquecer das lojas de calçados infantis? Aliás, muitos produtos têm o cheirinho como uma marca.
No meu caso, nada melhor do que protetor solar. Quando abro a embalagem, estou no verão, na beira da praia ou na piscina. Não importa se o Rio Grande do Sul estiver com onda de frio abaixo de zero. É só colocar um pouco do protetor na mão e já estou de férias.
Nem tudo é felicidade na memória olfativa. Se você passar mal depois de comer, por exemplo, lembrará do cheiro daquele alimento. Causará repugnância. Infelizmente, um odor sempre me trará de volta a Porto Alegre.
As pedaladas na ciclovia da Avenida Ipiranga serão inesquecíveis, principalmente nos dias de calor. Não tem máscara que te salve de sentir a podridão do esgoto que escorre pelo Arroio Dilúvio. Nós, adultos, já nos acostumamos, mas experimente levar uma criança. Ela vai reclamar do mau cheiro e, provavelmente, levará para a vida toda esta memória.
Muito já se debateu sobre a solução para o arroio. Não tem mágica. O Dilúvio diz muito sobre como é a cidade. Quando o esgoto for tratado e as pessoas não descartarem de forma errada o lixo, a solução será natural. Se as moradias forem adequadas, as coisas vão melhorar. Quem sabe um dia possamos caminhar ou pedalar ao lado do arroio e carregar outras memórias olfativas, como das flores ou árvores.
David Coimbra está em férias - INTERINO
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