sábado, 29 de janeiro de 2022


29 DE JANEIRO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

O CORRUPTO-MOR

Desde que o Estado regulou a propriedade privada e hierarquias de poder na sociedade, há corrupção; onde houver uma porteira, haverá quem cobre umas patacas para liberar passagem. Os gregos, todavia, cedo compreenderam que a corrupção maior vem da ambição desmedida - a hybris -, a cupidez de poder, honras, bens e prazeres que cega a muitos homens e os leva a erros trágicos para o transgressor, o hybristés, e para a sociedade. Há, pois, uma hierarquia também entre corruptos, e o corrupto-mor o é no topo de cadeia nefasta de delitos. Que tal enquadrarmos nosso corrupto-mor, homem público notório, enquanto é tempo, por crimes já praticados e riscos evidentes?

A hybris é falha moral típica de sociedades competitivas, como foi a Grécia antiga, em sua aurora aristocrática e ainda mais na era da pólis e da democracia. O poder está aberto à disputa, ambiente em que podem ocorrer golpes, fraudes e outros frutos podres de ambições espúrias. Tudo começa com certo estado de opulência (ólbos) em que o sujeito se julga superior e, em estado de saciedade (kóros), ambiciona com megalomania (méga phroneín); isto ocorre com um ser potente, líder em triunfo, mas também com um ser giomoro, medíocre torpemente adulado. 

Nessa condição perturbada, o sujeito em estado de hybris julga-se heroico ou divino, e invade domínios, ferindo normas de direito e reciprocidade, ou também, como acreditavam os antigos, incomodando deidades. É a síndrome trágica grega. Com a desmedida, desencadeiam-se punições divinas (némesis) e sociais (julgamentos). O pior caso é a ambição de poder, como proclama Sófocles no v. 873 do Édipo Tirano: hybris phyteuei tyrrhanon - a hybris engendra o tirano. A democracia deve precaver-se contra a hybris como nossos corpos diante do assassino. O corrupto-mor, o perigo real, é o hybristés - cego por ambição, pronto para qualquer delito.

Não há corrupção maior do que subverter a República e manipular a democracia para saciar ambições pessoais. Se isso é feito com a utilização pervertida dos meios judiciários, instituídos como garantia coletiva e fundados em exigências de imparcialidade, algo ainda mais grave ocorre; é asquerosa a partidarização do Judiciário. E quando esta cabala ocorre em cenário de tráfico de influências envolvendo poderes políticos e financeiros estrangeiros, então o que já era gravíssimo torna-se hediondo: traição à pátria. A investigação severa desses delitos pode levar ao indiciamento também de outras autoridades judiciárias acumpliciadas, aqueles três e os que permitiram, por arrogância política, incúria e ódio partidário, que um cidadão brasileiro fosse condenado sem provas por crime indeterminado, como consta na infame sentença, um panfleto medíocre e ilegítimo.

Ardilosamente, o corrupto-mor ocupa a vitrine e defende-se ambicionando ainda mais, com a bravata de dizer-se ser ele, o corrupto-mor, o que combate a corrupção, quando é o pivô da maior trama corrupta da história do Brasil, e precisa ser indiciado, julgado e condenado por seus gravíssimos delitos, o corrupto-mor obsceno e sua querquedulea hybris.

FRANCISCO MARSHALL

Nenhum comentário: