12 DE JANEIRO DE 2022
ZÉ ALBERTO
Saudades do Zé Gotinha
Há quem diga que "os que se lembram dos anos 80 não viveram os anos 80". Claro que é um exagero em relação a uma era deliciosamente maluca. Foi um tempo de efervescência cultural, de mudanças de comportamento, época de transição política, conflitos ideológicos que fascinavam pelo debate numa atmosfera de democracia em renascimento. Claro que havia as maracutaias políticas, planos econômicos frustrados que tentavam travar uma inflação inacreditável, caça ao boi no pasto, e rivalidades que, hoje se vê, tinham um nível aceitável e inerente às fortes divergências.
O importante é que se respirava uma energia por todos os lados influenciando nossa vida e um sentido gregário bem maior do que nos dias de hoje, em que se vê um retrocesso de postura digno de contrariar as teorias evolucionistas em relação ao ser humano. Perdeu-se a ânsia de andar para a frente na base do debate, dando lugar a uma obsessão pela destruição de quem não pensa da mesma maneira.
Foi naquele ambiente de coisa nova e de construção sem radicalismo que surgiu um verdadeiro super-herói nacional, o Zé Gotinha. O personagem criado em 1986 foi símbolo da campanha nacional que durante anos foi executada no país para vacinação das crianças contra a poliomielite, também chamada de paralisia infantil. Quem vive 2022 não imagina o que era feito. As autoridades de saúde do país determinavam datas para aplicação das gotas da vacina Sabin e todos, sim, todos, os setores da sociedade se mobilizavam. Eram comoventes as ações que misturavam viaturas do Exército com ônibus, carros particulares, barcos, carroças, cavalos ou bicicletas num intuito apenas, o de fazer com que todos os locais fossem atendidos. Era uma festa unânime. Isso mesmo, nenhuma voz brasileira contestava a campanha.
Se alguém duvida de que a união é possível neste país, que revisite as aventuras do Zé Gotinha há quase 40 anos e que resultaram "só" na erradicação da pólio no território nacional. Recentemente, o Zé foi reabilitado em função da necessidade sanitária por força da covid-19. Nosso herói, porém, encontrou um ambiente desfavorável, passando até a conhecer figuras que não havia antes, os inimigos. Talvez tenha até pensado que, invés de ter reaparecido no futuro, havia retrocedido para uma era bem mais atrasada do que os movimentados anos 80. Até demitido acabou sendo, numa espécie de reencarnação de outros benfeitores como o Batman, que por vezes se via tratado como vilão.
Há saudade do Zé Gotinha de 36 anos atrás. A nostalgia não é simplesmente pelo simpático boneco que simbolizou a erradicação de doenças e que era sinônimo de consciência e de consenso, num país de inúmeros e necessários debates sobre os mais variados temas. A única discussão que não havia naquela época mágica era sobre a validade das vacinas. O Brasil era melhor e não perdia tempo criticando ou defendendo obviedades.
David Coimbra está em férias - ZÉ ALBERTO
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