04 DE DEZEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA
O sol nas bancas de revista
Eu vinha num Uber pela Avenida Teresópolis. Pouco ando pela Avenida Teresópolis e, confesso, nunca cheguei a lamentar isso. É que sou da Zona Norte, a avenida com que mais me relacionei na vida foi a cinzenta, enfumaçada e, diga-se a verdade, feia Assis Brasil.
Posso, sim, dizer que ela é feia, porque temos intimidade. Passei anos circulando pelas imediações da Assis Brasil, ia ao cinema Rey, vi o Viaduto Obirici ser construído, bebia no bar do Chico, cortava o cabelo no Salão Grenal. Tenho afeição, portanto, pela velha Assis Brasil. Mas sei que é feia. Que fazer? Paciência. Nem todos nascem com a cara da Megan Fox.
A Teresópolis, bonita não é, mas ganha da Assis Brasil. E, nesse dia em que por ela rodei, parecia até ajeitadinha. Havia inclusive algumas amenidades aqui e ali, o que me fez balançar a cabeça e reconhecer: a Teresópolis não está tão mal...
Foi aí que vi, numa esquina, algo que me comoveu: uma banca de jornais. Porque elas estão desaparecendo, é preciso que se diga. Você não encontra mais facilmente uma banca de jornal, como antes encontrava. No Centro, talvez, e em algumas outras partes da cidade em que as pessoas circulam a pé. No mais, são cada vez mais escassas.
A visão daquela banca de jornais me deu um sentimento bom de normalidade da vida. Porque uma banca de jornais significa que naquele lugar um homem exerce seu ofício na rua sem medo, significa que as pessoas se detêm para conferir as manchetes do dia ou se já chegou a revista preferida. Elas param e conversam sobre o tempo com o dono da banca, que está sentado em um banquinho, debaixo de uma boina, lendo um gibi, e então colhem uma revista colorida da prateleira e a folheiam e podem comentar acerca de uma reportagem ou de uma foto:
- Como estão fortes as pernas da Paolla, hein?
Uma vez, quando procurava emprego e não conseguia, pensei que, se nada desse certo, ia dar um jeito de montar uma banca de revistas para mim. Havia sido rejeitado pelos jornais de Cachoeira do Sul e de São Jerônimo, ninguém me queria, ninguém me amava. Por que não uma banca de revistas? Um serviço tranquilo. E o melhor: poderia passar o dia lendo no trabalho.
O sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça, cantava Caetano, e eu o compreendo. Uma banca de revistas numa tarde de sol de dezembro é a própria civilidade, é um indício de que o mundo pode ser simples e bom.
Quase pedi para o motorista parar um pouco. Ia descer do carro, ia até a banca, ia comprar uma Zero Hora e mais, sei lá, uma revista de História, adoro revistas de História. Ia falar sobre o Grêmio e o Inter com o dono da banca, ia apontar para um pote de Sonho de Valsa que estava ao lado dele e dizer:
- Vou levar três.
Sairia, então, comendo o meu Sonho de Valsa, planejando chegar em casa e fazer um café para ler meus jornais e minhas revistas, e iria saborear aquele café, e iria saborear aquela leitura leve, e iria morder outro Sonho de Valsa, e iria pensar que tudo está em seu lugar. Sim, tudo está em seu lugar.
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