27 DE NOVEMBRO DE 2021
CLAUDIA TAJES
Contagem regressiva para o Natal
- Sabe, doutora, quando eu entro no supermercado e vejo aqueles panetones todos, os espumantes empilhados na entrada, me dá um aperto. Se eu não sair do súper na hora, vira pânico.
- Panetone tem o ano inteiro, de uns tempos pra cá. Espumante, nem se fala.
- Eu sei, mas em abril eu não fico aterrorizada se vejo um chocotone recheado com avelãs e coberto com amendoim glaceado, seja o que for. Porque não tem significado, entende? Mas lá por outubro, quando eles passam pra ponta da gôndola, aí dispara um gatilho. O Natal chegou.
- Lembra de algum fato na infância que possa ter desencadeado esse medo?
- Imagina, eu adorava o Natal. Nunca ganhava bem o que eu queria, eram muitos filhos em casa, só o pai trabalhava fora, mas vinha presente das tias, dos avós. E que comilança. Eu comia de passar mal. Daí levantava da mesa e ia brincar com os primos até tarde.
- Nenhum trauma? - Eu nunca gostei de peru, mas pra trauma isso não serve. Também não me faltou comida, nem presente. Ah, uma vez eu pedi a Susi espanhola e ganhei a mexicana, mas até que gostei.
- Pergunto pra gente tentar trazer do passado as raízes da tua fobia.
- Não tem a ver com a minha infância, doutora. Eu sei direitinho quando começou. Os gêmeos nasceram em novembro e a família resolveu se reunir no meu apartamento pra nos deixar mais à vontade. Aí o caldo entornou.
- Vocês brigaram, teve algum evento marcante?
- Teve eu arrumando a casa, quer dizer, tentando arrumar entre uma mamada e outra. Entre uma troca de fraldas e outra. As pessoas esquecem que, a cada mamada, corresponde uma fralda cheia em seguidinha. Eu me sentia o Sísifo empurrando a pedra, lembra? Quando chegava lá em cima, a pedra rolava e começava tudo outra vez.
- Não é a imagem mais bonita da maternidade, mas no puerpério...- Deixa o puerpério fora disso. Eu tinha que arrumar a casa pra receber a parentada e ainda fiquei de fazer a sobremesa, que precisava gelar. Mas vai explicar isso pra dois nenês berrando ao mesmo tempo.
- Podia ter chamado alguém pra ajudar. Uma diarista, uma das tuas irmãs. - Todos estavam ocupados. E o meu marido precisava trabalhar, ele era autônomo.
- Não é mais? - Autônomo, é. Não é mais marido. - Como terminou a noite?
- Todo mundo foi embora e o meu então marido e eu ficamos nos revezando entre lavar toneladas de louça e lavar a bunda dos gêmeos depois que eles mamavam.
- Na minha análise, por mais difícil que tenha sido, tudo isso parece pouco pra justificar a tua fobia.
- Foi só a primeira vez. De lá pra cá teve sempre o estresse de comprar presente pras crianças, a senhora não imagina o preço do carro do Homem-Aranha, e depois pensar no cardápio, cozinhar, arrumar a casa, lavar toda a louça e ainda dar um jeito na bagunça, tudo isso com as crianças brigando. Tive mais dois meninos além dos gêmeos.
- Eu sei que, na hora, é difícil, mas tenta pensar que logo os teus filhos estarão maiores e tudo vai ficar menos pesado, tanto emocional quanto financeiramente. Vocês poderão curtir o Natal juntos, sem que um panetone desencadeie um ataque de pânico. Qual a idade dos teus filhos hoje?
- O Lipe e o Gabi têm 32. O Dani tem 30 e o Rafa, 28.
- O que a senhora acha? - Eu te receitei 20mg na vez passada, né? Vamos aumentar pra 60. Depois das festas a gente vê como fica.
- Feliz Natal pra mim, doutora. Te vejo em 2022.
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