27 DE NOVEMBRO DE 2021
ELIANE MARQUES
ENGENERARIZAÇÃO
Dificilmente alguém deixou de ouvir algo sobre o Complexo de Édipo, descrito como o processo psíquico cujo resultado final, se exitoso, redundará na identificação da menina com a mãe, dado seu amor ao pai, e do menino com o pai, dado seu amor à mãe. Em face de tais identificações, o objeto amoroso eleito mais tarde pela mulher será o homem, substituto do pai, proibido; e o objeto eleito pelo homem será a mulher, substituta da mãe, proibida. No Édipo, concebido como o ingresso do/da infante em determinada cultura, ele (dono do phallus) se constituirá homem, ativo, masculino e heterossexual; ela se constituirá mulher, feminina, passiva e heterossexual. Ambes serão exogâmicos, ou seja, terão incorporada a si a lei da vedação ao incesto.
Para os meninos, a vedação alcançará apenas as mulheres da "família". Para as meninas, o tabu abrangerá o universo das mulheres, familiares ou estrangeiras. Considerado que, no início do Édipo, elas ocupam posição homossexual quanto à mãe - toda a criança tem a mãe como primeiro objeto de amor -, a heterossexualidade, dominante na cultura, a envolverá em maus lençóis, porque não é permitido que ela ame alguém sem phallus. Assim, ela não poderá continuar amando a mãe. E ela não poderá amar outra mulher. Dessa operação de menos, impõe-se à pequena mulher o contrato social da heteronormalidade. Se tiver a coragem de o rechaçar, correrá o risco de ser etiquetada nos manuais de homoanormalidade.
A criação da feminilidade e da mulheridade no processo de socialização, que é o Édipo, consiste, por certo, em uma engenerarização (imposição de um gênero). Por isso, concordo com Gayle Rubin quando, em O Tráfico de Mulheres: Notas Sobre a "Economia Política" do Sexo, ela o toma como um ato de brutalidade psíquica que nos marca com um grande ressentimento pela supressão de algo. A imposição da passividade, nesse mesmo processo, também nos retira os meios para expressar a raiva residual, diz ela.
Muites não concordarão com isso. Contudo, ainda no dizer de Gayle Rubin, a depender da posição em que nos situamos para a leitura da feminilidade em Freud, relativamente às mulheres, podemos tomá-la como racionalização da submissão a nós imposta, como panorama dos processos que nos subordinam ou como descrição dos efeitos e dos modos pelos quais uma cultura fálica nos domestica. Ela considera a primeira, justificável; a segunda, um erro; e a terceira, de grande valor.
Do ponto onde me encontro, considero a última de grande valor, apenas.
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