terça-feira, 16 de novembro de 2021


16 DE NOVEMBRO DE 2021
NÍLSON SOUZA

Os novos imortais

A regra é clara: para pleitear uma vaga na Academia Brasileira de Letras, basta ser brasileiro nato (ou brasileira, embora tenha levado 80 anos para a primeira mulher entrar lá) e ter publicado um único livro, de qualquer estilo, sobre qualquer assunto. Por isso, não me causam qualquer espanto as eleições sequenciais da atriz Fernanda Montenegro e do cantor Gilberto Gil. Pelo contrário, aplaudo entusiasticamente a presença dos dois talentosos artistas no olimpo das letras brasileiras.

Como todos sabemos, a ABL já elegeu políticos e celebridades com pouca ou nenhuma intimidade com as letrinhas, em algumas ocasiões preterindo escritores reconhecidos para ficar bem com o poder. Uma das maiores injustiças da história da academia foi a tríplice rejeição do poeta gaúcho Mario Quintana, derrotado sucessivamente pelo ex-ministro da Educação Eduardo Portella, pelo ex-secretário de Ciência e Tecnologia Arnaldo Niskier e pelo jornalista Carlos Castelo Branco.

"Mais letras, menos academia de" - dizia o cartaz da charge publicada numa edição do Pasquim dos anos 70. O jornal crítico e humorístico, que ironizava os imortais a cada semana, sentenciou que os versos de Quintana seriam lembrados 200 anos depois e ninguém mais saberia quem foram os outros. É bem provável que isso ocorra. Um desses versos é o conhecido Poeminha do Contra, considerado uma espécie de autodesagravo do alegretense: "Todos esses que aí estão/ atravancando meu caminho:/ eles passarão.../ Eu passarinho."

Imortais, mas não imorríveis - brincava o saudoso Moacyr Scliar. Embora cumpram todos os pré-requisitos, inclusive o do livro publicado, Fernanda Montenegro e Gilberto Gil certamente serão lembrados mais pelo que fizeram na dramaturgia e na música do que pela produção literária. Mas não há dúvida de que acrescentam prestígio e popularidade à ABL num momento de instabilidade da instituição, que também teve perdas humanas e prejuízos econômicos com a pandemia. A receita caiu tanto durante o período de restrições, com a saída dos inquilinos de seus imóveis no Centro do Rio, que a entidade demitiu funcionários e pode até atrasar os subsídios dos acadêmicos.

Isso, sim, é de causar espanto em tempos de crise: eles ganham jetons que podem chegar a mais de R$ 10 mil por mês se comparecerem a todos os chás.

A imortalidade sempre rende alguma coisa.

NÍLSON SOUZA

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