sábado, 13 de novembro de 2021


13 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Qual é a fama do povo brasileiro

Cenas do capítulo anterior: nós estávamos na Suíça, em Weggis, cidade que Mark Twain considerava a mais bela do mundo e que, de fato, é uma graça, com casinhas coloridas espalhadas ao sopé dos Alpes e à margem do Lago Lucerna, com patos rebolando pelas ruas pacíficas e vaquinhas pastando bovinamente nos montes verdes.

Esse paraíso, no entanto, foi abalado pelo roubo de equipamentos dos jornalistas que cobriam a Seleção Brasileira - estávamos às vésperas da Copa de 2006. Registrei o roubo na delegacia local e, então, um suíço disse para outro suíço:

- Deve ter sido um brasileiro.

Estremeci ao ouvir a frase. Fiquei meio ofendido com aquela suposição, mas ela era feita com base na fama de que gozam os brasileiros no Exterior: a de que somos um povo de pessoas alegres e de ladrões.

Talvez você fique chocado ao descobrir isso, mas é a verdade. E, se também é verdade que há milhões de brasileiros sérios e honestos até os gorgomilos, é preciso dizer que há muitos que confirmam a má fama. Exemplo: nossos equipamentos foram MESMO roubados por brasileiros. Descobrimos depois quem eles eram, mas não havia provas que os incriminassem.

Esse tema, o do perfil do povo brasileiro, é recorrente para quem mora fora do Brasil. Vivi seis anos nos Estados Unidos e sempre que encontrava um brasileiro nós inevitavelmente comparávamos os países e comentávamos sobre as características de cada povo.

E vou dizer: existe um povo brasileiro. Esse nosso país serviu como um cadinho para fundir as diversas etnias que o formaram, resultando numa outra. Que não é a única no território nacional, óbvio. É claro que há loiras de olhos azuis como a Xuxa e negros de olhos castanhos como Pelé, há nisseis como a Danni Suzuki e mulatas como a Camila Pitanga.

Aliás, a palavra mulata é injustamente acusada de ser preconceituosa. Não é, e vários linguistas já o provaram. Ao contrário: trata-se de uma palavra linda, repleta de sugestões positivas, até porque é ela que melhor define a raça brasileira. E é isso: nós brasileiros somos um país de mulatos, porque somos um país de miscigenados. Como já escrevi no último parágrafo, não estou falando de todos, evidentemente; estou falando da maioria, mas é uma maioria cada vez maior.

Se fosse definir um personagem que representasse o tipo físico da maioria do povo brasileiro, escolheria Neymar, um rapaz elegante, de atraentes olhos verdes e malícia na ginga.

Mas, francamente, não é o tipo físico que me interessa. O que me intriga hoje é quem realmente nós somos. Consagrou-se aquela história do brasileiro cordial, devido à má interpretação do livro do Sérgio Buarque de Holanda. O de Gilberto Freyre também gerou confusão com a ideia de democracia racial. E a lindíssima americana Kate Lyra gemia na TV que o brasileiro é bonzinho.

Ou seja: ganhamos a reputação de ser um povo boa-praça, bem-humorado, que chora e perdoa facilmente. Será?

A verdade é que o brasileiro em geral é alegre e emotivo, sim, mas não quer dizer que seja amável. Com a ascensão de Bolsonaro, vimos brasileiros diferentes, empenhados em um movimento inédito na história do país. E Bolsonaro não é dono desse movimento, o movimento é que é dono dele.

Isso, que cresceu em torno de Bolsonaro, foi se formando nos governos do PT. Era uma reação previsível, devido ao tradicional comportamento das esquerdas, dadas ao julgamento moral e à exclusão de quem pensa diferente. O que não se podia prever foi a forma que essa reação tomou.

De repente, descobrimos que o Brasil também é composto por uma massa de pessoas brutais, que atacam com violência e sem dó aqueles que supõem estar do outro lado. Eles julgam e excluem como as esquerdas, só que com muito mais agressividade e grosseria. De onde vieram? Onde estavam esse tempo todo? Estavam aí, ao nosso lado, só que nós não vimos. Teremos de aprender a conviver com eles. Afinal, fazem parte deste nosso múltiplo e enigmático povo brasileiro.

DAVID COIMBRA

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