27 DE NOVEMBRO DE 2021
FLÁVIO TAVARES
O BEIJO
Em qualquer idioma, beijo significa a forma mais profunda de amor, seja ele terno ou erótico. O beijo aproxima e faz com que dois se tornem apenas um, integrados entre si. Foi talvez assim que deram àquela boate de Santa Maria o nome de Kiss, que é beijo em inglês, compreensível até a quem não fale inglês.
O beijo da Kiss, porém, foi mortal, numa mortandade traiçoeira que convidava a uma atração ou relaxamento de corpo e mente, mas que, de fato, era horror. Daqui a alguns dias, em 1º de dezembro, após quase nove anos de protelações, será julgado o crime que matou 242 jovens e deixou sequelas físicas ou psicológicas em 636 outros.
O júri, porém, não será em Santa Maria, mas na Capital, como se a cidade do crime não tivesse sido afetada, também, pela tragédia.
É impossível falsificar a verdade e qualificar o crime de mero "acidente" em que o horror foi obra do acaso. A madrugada de 27 de janeiro de 2013 na Kiss foi criminosa em si. Tudo havia sido disposto para um beijo de morte e terror. Vale relembrar o descaso e desdém com que os donos da boate trataram a segurança dos frequentadores, encerrando todos eles numa infernal ratoeira humana.
A brutalidade de janeiro de 2013 não se extingue nesse dezembro de 2021. Ao contrário, permanece escancarada nos depoimentos dos réus publicados por este jornal, dias atrás. De fato, nenhum deles assume sequer as responsabilidades, menos ainda as culpas pela tragédia.
Tratam a morte de 242 pessoas como se fosse uma rixa banal, quando se tratou de um crime fundado na cobiça. Ou o que foi quando truculentos "seguranças" impediram a tapas que os clientes se salvassem do fogo por não terem pago a conta?
Para os donos da boate, o dinheiro valia mais do que a vida? A rede que levou ao crime é extensa. Um dos donos da Kiss alega, até, que forrou o teto com inflamáveis placas de "isopor" só para aliviar o ruído.
O minucioso inquérito policial foi abrandado pelo Ministério Público e, agora, os réus se limitam aos donos da boate e membros da banda. Bombeiros e funcionários da prefeitura que concederam o alvará não são réus, mesmo que sejam parte da teia do crime.
Na Amazônia, no extremo norte do país, o Rio Madeira está sendo revolvido (e seu leito destruído) por dragas de garimpeiros em busca de ouro. Trata-se de outro crime, tão brutal quanto o desmatamento.
Quando substituiremos a cobiça por um beijo terno na natureza?
Nenhum comentário:
Postar um comentário