quarta-feira, 17 de novembro de 2021


17 DE NOVEMBRO DE 2021
MÁRIO CORSO

Encolheflação

Dizem que o alemão seria a língua que tem palavras para tudo, mas o inglês nunca decepciona. Aposto que você tem este conceito na cabeça, mas não uma palavra em português para expressar: shrinkflation. Shrink passa a ideia de encolher, contrair, recuar. Junto com a palavra inflação (inflation), descreve o produto que diminui de volume ao invés de aumentar o preço.

Note que o recipiente não necessariamente diminui. Temos caixas que ficam imensas frente a um saquinho murcho com o produto no fundo. A vantagem é que você traz para casa como brinde uma quantidade de ar perfumado pelo cheiro do produto, mais o aroma do papelão.

Não me ocorreu tradução melhor do que "encolheflação". Em inglês a palavra inflação está inteira, dentro da nova, reforçando a poética do conceito, dando mais força. Mas acho encolhinflação de uma sonoridade esquisita. Se um leitor achar uma melhor, eu publico. Afinal, a carestia voltou para nosso cotidiano. Será pauta de todos por um tempo. Quem tem menos de 40 anos não se lembra do inferno que foi conviver com o descontrole dos preços nos anos 1980.

O fenômeno é antigo, mas em tempos de economia volátil o truque volta para as prateleiras. Em 1983, o paleontólogo e biólogo evolucionista Stephen Jay Gould escreveu um texto satirizando a indústria do seu chocolate preferido. Ele lembra do preço e peso que o produto teve ao longo de décadas. Colocou os números da tendência numa equação e, matematicamente, previu quando a barra de chocolate pesaria zero grama e a que preço.

A brincadeira é parecida com a de um conhecido. Ele diz que a gasolina sobe para nós, ele que é esperto coloca sempre R$ 50.

O encolhimento do produto pode ser também uma estratégia para denotar maior valor. Os restaurantes metidos usam pratos enormes com porções diminutas. Uma comidinha tamanho amostra, perdida na moldura imensa da louça.

A cerveja long neck é a expressão desse movimento. Ela vem fracionada numa porção que nem um leprechaun, o menor indivíduo da família duendelídeos, acharia razoável. Mas de que outra forma conseguiríamos valorizar um copo de pilsen, a mais anódina das cervejas?

A cerveja se opõe ao vinho. Cerveja é popular, vinho tende ao nobre, com suas infinitas possibilidades de varietais e envelhecimentos. Enquanto a long neck é só abrir e beber no bico, o vinho carece de taça e de ler a bula da harmonização.

Na long neck, o encolhimento é a alma da valorização. A maneira escolhida para tornar caro, portanto mais desejável, um produto simples e barato. Um baldinho de gelo com meia dúzia de long necks é a mais trouxa das ostentações. O prazer de pagar caro e produzir mais lixo. O triunfo da lógica da propaganda sobre o consumidor: a encolheflação chique.

MÁRIO CORSO

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