quarta-feira, 17 de novembro de 2021


17 DE NOVEMBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

ENEM BOLSONARISTA

São preocupantes e necessitam de pronto esclarecimento os indícios de interferência ideológica do governo Jair Bolsonaro nas questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ainda no domingo, o programa Fantástico, da Rede Globo, trouxe uma grave denúncia de parte dos 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que pediram demissão por divergências com a cúpula da autarquia. Entrevistados disseram que uma pessoa estranha à equipe técnica que elabora a prova, possivelmente um policial federal, ingressou no chamado "ambiente seguro" onde o exame é preparado, violando o rígido esquema que deveria proteger o sigilo em torno das questões. Revelaram ainda o veto a perguntas com conteúdo que poderia desagradar a Bolsonaro, o que levou à necessidade de refazer a prova.

São acusações sérias que arranham a credibilidade que o Enem deveria ter perante estudantes e a sociedade e põem em dúvida se a prova, com interferências indevidas, será mesmo capaz de fazer uma avaliação justa do conhecimento dos jovens candidatos a uma vaga no Ensino Superior. A perplexidade, no entanto, não ficaria por aí. Questionado sobre o assunto, o presidente disse na segunda- feira em Dubai que as questões do Enem "começam agora a ter a cara do governo". Soa como uma confissão de ingerência. É algo totalmente descabido.

Exames da relevância do Enem não devem ser impregnados com as ideias de mundo de qualquer administração, de esquerda ou de direita. Pelo contrário, sua elaboração deve seguir preceitos técnicos, o banco de questões existente e o conhecimento dos especialistas escolhidos via edital para a confecção da prova. Exatamente como vinha acontecendo desde que foi criado, em 1998, com o objetivo de ser uma iniciativa de Estado, e não de variar conforme as preferências do governante de ocasião.

Os próprios apoiadores do presidente reclamavam antes de uma suposta contaminação ideológica em algumas questões. Esse hipotético direcionamento, no entanto, nunca foi comprovado como algo planejado e ostensivo, a despeito de algumas questões consideradas controversas, mas inseridas no contexto socioeconômico do país. Se futuros governos, de linhas políticas distintas, resolverem fazer o mesmo que a gestão Bolsonaro parece querer instituir, o Enem corre o risco de ver a sua confiabilidade escorrer pelo ralo, com uma parte transformada apenas em um teste de conhecimento das ideias do ocupante de turno do Planalto. A real finalidade de aferir o saber amealhado pelos estudantes e a qualidade do ensino pode ser comprometida. Perdem a educação e o país.

A Comissão de Educação da Câmara deve decidir hoje se o ministro da Educação, Milton Ribeiro, será chamado para dar explicações sobre a crise no Inep e as denúncias de interferência no Enem. O país precisa desses esclarecimentos e que cessem as pressões por motivações políticas ou derivadas da tal guerra cultural que o governo imagina travar. Ao mesmo tempo, os cerca de 3,3 milhões de jovens inscritos merecem toda a consideração e esforços para que as provas, programadas para os dois próximos domingos, transcorram sem sobressaltos que prejudiquem os sonhos de quem tem se preparado com afinco para obter boas notas e materializar o sonho de ingressar no Ensino Superior. 

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