sexta-feira, 26 de novembro de 2021


26 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

A palavra do ano

Leio que "NFT" foi eleita "a palavra do ano" pelo grupo que publica o Dicionário Collins. Fiquei surpreso. Porque estive por aí neste ano e nunca tinha ouvido tal palavra. Que, aliás, nem é palavra, é uma sigla em inglês para "Non-Fungible Token". Em português, "Token Não Fungível".

Senti-me um pouco aflito ao descobrir o significado de NFT, porque não sei o que é um token, seja ele fungido ou não fungido. O que me parece claro, com essa eleição, é que não é nada bom um token ser fungido. Por essa razão, eu mesmo juro que não fungirei tokens, a não ser que vidas humanas ou a classificação do Grêmio para a Série A dependam disso.

Para falar a verdade, não gostei muito dessa eleição que coroou a NFT. Acho que há outras boas palavras sendo ditas e escritas em 2021. Descobri, inclusive, que há um segundo dicionário, o célebre Oxford, que escolheu "vax" como a grande palavra deste ano. Faz mais sentido do que NFT, porque vax é a gíria inglesa para "vacina".

Aqui, no Brasil, todo ano há palavras que se consagram. Tenho a impressão de que em 2021 foi a expressão "por óbvio". Por que as pessoas começaram a falar "por óbvio" em vez de "obviamente" ou apenas "é óbvio"? Quem foi o primeiro a falar "por óbvio"? Não faço ideia.

O concorrente de "por óbvio" também é curioso. É a palavra "resenha". Trata-se de uma palavra antiga, que, em outros tempos, era usada com comedimento e critério. Se você trabalhasse no Segundo Caderno do jornal, provavelmente teria de escrever "resenhas" de livros. Seu chefe, em algum momento, poderia pedir para você fazer uma "resenha" de determinada obra de arte e, assim, você a descreveria em minúcias. Hoje, porém, resenha virou sinônimo de conversa. "Olha aquela resenha", avisam os narradores de futebol ao ver um jogador conversando com o outro, a mão à frente dos lábios, olhando para os lados, desconfiados. Quando alguém vê um grupo de amigos sentado à mesa do bar, bebendo e rindo, ele se aproxima e comenta:

- Que resenha, hein! Ele está elogiando a conversa que se derrama sobre a mesa. Gosto de pessoas que elogiam conversas. Devíamos fazer mais isso. Depois de um tempo falando com alguém, antes de se despedir, você avaliaria:

- Essa foi uma ótima conversa. Depois, poderia fazer uma resenha do que se passou:

"Começamos com cumprimentos afetuosos tipicamente masculinos, como ?e aí, cafajeste?? e ?tudo bem, canalha?? Depois dessas demonstrações de carinho, seguimos descrevendo com entusiasmo os atributos físicos de algumas amigas e relembrando antigas façanhas amorosas. A história do chiclete nos fez gargalhar. Finalizamos com uma pequena e divertida simulação de altercação por causa de futebol. Pedimos a saideira. Contamos piadas. Pedimos outra saideira. Falamos mal das nossas cônjuges. Pedimos mais uma saideira. Fomos embora nos abraçando e balbuciando: ?Tu é meu irmão! Grande noite?."

É isso aí: resenha é a palavra do ano.

DAVID COIMBRA

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