quinta-feira, 25 de novembro de 2021


25 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Quando você sabe o que não quer

Quando você fala das coisas de que não gosta, sempre vem um gaiato ironizando:

- Você está ficando velho.

Isso significaria que as pessoas jovens gostam de tudo. Não é verdade. Vou defender os jovens: eles têm sentido crítico, sim. Não é que eles gostem de TUDO. Eles só gostam de tudo o que os outros jovens gostam. Há critério.

No entanto, faz sentido dizer que os velhos não gostam de muitas coisas. É que leva tempo para você descobrir as suas próprias preferências. Em geral, quando muitas pessoas gostam de algo, a sua tendência é de gostar também. Ou achar que gosta.

Mas, como diria Millôr Fernandes, livre pensar é só pensar. Se você para e pensa, se você é honesto consigo mesmo e se você não teme a crítica alheia, você está em condições de fazer algo libertador: o descarte.

Porque, entenda: viver é editar. Sei que essa é uma máxima difícil de ser compreendida por quem nunca trabalhou numa redação de jornal, então explico: é que o editor escolhe. Essa é a tarefa mais importante da sua função. Ele recebe uma grande quantidade de material para acomodar tudo em uma única página. Só que "tudo" não cabe naquele espaço. Assim, ele escolhe, ele faz uma triagem do que é mais importante e do que é mais interessante, e descarta o resto.

Você faz isso na sua vida todos os dias. Você seleciona o que faz e o que deixa de fazer, você escolhe um prato, no restaurante, e rejeita todos os demais. Sair à noite ou dormir mais cedo? Vida de casado ou vida de solteiro? Filhos: melhor não tê-los. Mas, se não os temos, como sabê-los? A ideia é você selecionar o que é bom e o que é ruim para você. O que é bom você incorpora e o que é ruim joga fora.

O problema é que as pessoas estão sempre tentando influenciar as nossas escolhas. Sabe por quê? Porque elas querem ter certeza de que as escolhas DELAS foram certas. Elas querem ter certeza de que as vidas delas não são inúteis. Desta maneira, por crua insegurança, elas formam clubes. Ali estão os que tratam os cachorros como filhos; mais adiante, os vegetarianos; do outro lado, os amantes do churrasco; olha lá os fanáticos por Game of Thrones. Parecem predileções banais, mas vá dizer que não gosta do que elas gostam. Aquilo se torna pessoal, parece que elas foram ofendidas, que você falou mal das mães delas.

Não é nada disso, my friend, só estou dizendo que EU não gosto. Você, se quiser, pode comer miúdos de galinha, que não me importo.

Outro exemplo: shows. As pessoas amam shows musicais. Para elas trata-se de um programa realmente especial. Por isso, e apenas por isso, me deixei ser arrastado a inúmeros shows na minha vida. Mas não se pode dizer que eu seja um apreciador de todos os tipos de show. Muitos me aborrecem. Um dia, me flagrei dormindo num show do Zé Ramalho. Não que ojerize o Zé Ramalho, não é nada disso, apenas não é o gênero de música que mais aprecio. Naquele dia, saí do ginásio perguntando a mim mesmo: "Por quê? Por que fui ao show do Zé Ramalho???". É que as hordas dos admiradores dele me levaram quase que à força. Culpa minha, que não tive personalidade para dizer: não! Mas hoje digo. Hoje sou capaz. Por quê? Porque sou mais velho do que era. Não tenho tempo a perder.

DAVID COIMBRA

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