A experiência espanhola de George Orwell
O imortal escritor George Orwell (1903-1950) ficou eternizado pelos romances 1984 e A revolução dos bichos, nos quais condena enfaticamente o totalitarismo. Filho de um alto funcionário do governo britânico, Orwell nasceu na Índia e, mais tarde, depois de ter estudado no aristocrático Eton College, Orwell resolveu romper com o passado burguês e, renegando seu próprio nome (Eric Arthur Blair), trabalhou como operário, lavador de pratos e professor.
Homenagem à Catalunha e Recordando a Guerra Civil Espanhola (Avis Rara-Faro Editorial, 320 páginas, R$ 59,90), publicados em volume único, retratam a importância da experiência espanhola de Orwell, que foi para lá em 1936, à meia-noite do dia 25 de dezembro, num trem que partiu de Paris em direção a Barcelona. Os vagões estavam cheios de voluntários europeus que rumavam para lutar contra os fascistas da Guerra Civil Espanhola.
Ao longo de seis meses, Orwell participou de treinamentos militares com adolescentes espanhóis, atirou contra soldados franquistas, montou guarda no telhado de um cinema, dormiu enrolado em uma cortina de cabaré na companhia de duas granadas e fumou cigarros feitos por andaluzes humildes. Chegando a Barcelona, depois de meses no front passando fome e frio, não pode participar do conflito em Madrid. Dias depois, testemunhou a ação dos comunistas, que prenderam e fuzilaram anarquistas e trotskistas - grupos aliados que estavam ali lutando contra o fascismo - enquanto as tropas de Franco avançavam no restante do país.
Essa experiência espanhola, de perceber o autoritarismo presentes nos movimentos que deveriam lutar contra as ditaduras, moldou a visão de George Orwell, que depois escreveu os clássicos 1984 e A revolução dos bichos.
Ao longo do texto, mais de 60 notas trazem explicações e curiosidades que foram aqui reunidas e sistematizadas pelo jornalista e tradutor Duda Teixeira. Esta edição conta ainda com glossário e linha do tempo, que auxiliam a entender a complexa Guerra Civil Espanhola, precursora da Segunda Guerra Mundial.
Aristides Villas-Boas, Noêmia e Porto Alegre de 1941 até hoje
Não é demais repetir que a memória é o lugar onde as coisas acontecem muitas vezes, lembradas de modos diversos, em várias fases e circunstâncias da vida e por diferentes pessoas. Atualmente, está até em moda cultivar e escrever as chamadas "memórias inventadas", onde as lembranças, a verdade e a fantasia dançam juntas.
Um piano dentro da noite (Editora Escuna, 109 páginas, R$ 50,00), coletânea de crônicas do consagrado jornalista Marcelo Villas-Boas, que durante décadas atuou como assessor de imprensa na Assembleia Legislativa e onde foi Superintendente de Comunicação Social em oito oportunidades, é um belo mergulho do autor no passado familiar e em fatos que envolveram nossa Porto Alegre, desde a famosa enchente de 1941 até nossos trepidantes dias. Em 2020, Marcelo publicou, pela editora Lettere & Parole, a coletânea Contos de Porto Alegre e já havia participado em 2019 de duas antologias de contos: Contos contemporâneos de 2019 e Literando.
Os personagens principais dos textos de Um piano dentro da noite são os pais de Marcelo, o celebrado pianista Aristides Villas-Bôas e a esposa Noêmia. Quando se andava de canoa pela Rua da Praia, em 1941, o jovem Aristides, com 16 anos, abandonou os estudos clássicos de piano e começou a encantar seus ouvintes na execução de canções populares, integrando-se logo ao conjunto de músicos boêmios da capital.
Aristides, todavia, mesmo participando da boêmia, sempre esteve ao lado da esposa Noêmia e dos três filhos, Marcelo, Clarice e Clara. Marcelo lembra o pianista exímio, mas igualmente o pai amoroso, as matinés com ele nos velhos cinemas e as temporadas da família no litoral gaúcho e no sítio do bairro Agronomia.
Na apresentação, o jornalista e escritor Liberato Vieira da Cunha escreveu: "Memórias afetivas como estas levam à recriação de sons, momentos, vozes, músicas, conversas, leituras, sabores, mas em particular de amores, emoções e sentimentos".
Desde as histórias dos flagelados de 1941, passando pelas lembranças das primeiras canções executadas por Aristides e pela vida de Noêmia no internato do Colégio Dom Feliciano, as docemente nostálgicas crônicas de Marcelo vão avançando por tempos, pessoas, músicas e fatos da cidade. Os veraneios no Imbé, com o velho Buick 1950 repleto de bagagens, os festivais de música na TV (com o jovem Caetano Veloso) assistidos no apartamento da Felipe Camarão, o piano na beira do cais do Guaíba e na Confeitaria Matheus e a Porto Alegre dos bailes da Reitoria, mais as reuniões dançantes nos clubes da cidade aparecem vivas nas crônicas do livro.
Marcelo conta como a felicidade andava nos bondes, veículos curiosos, sem apito e com duas frentes, uma para ir e outra para voltar e como as pessoas podiam ir com eles até o bairro da Tristeza, par tomar banho num Guaíba limpo. Os Carnavais, os circos, as lambretas e os jogos da seleção brasileiros também figuram nos textos, que revelam que em 1969 Aristides e Noêmia ingressaram na faculdade, buscando novos horizontes.
A propósito...
Marcelo começou a trabalhar aos 14 anos, no escritório de um advogado, no Centro de Porto Alegre. Aos 16, começou a trabalhar na Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais - Sicam, circulando de noite por bares, restaurantes e boates para anotar quais as músicas que estavam sendo executadas. No lendário Karandache, ganha uísque, sanduíche aberto e a companhia das moças mais bonitas de Porto Alegre e aí sente-se uma verdadeira autoridade noturna. Nas páginas finais da obra, lembranças familiares e fotos completam as memórias daqueles tempos que, lembrados nos tempos da pandemia, avançam pela atualidade e lembram Mario Quintana: o tempo é só um ponto de vista dos relógios.
lançamentos
- Saúde tem História II: Narrativas no Centro Histórico-Cultural Santa Casa - CHC (https://loja.santacasa.org.br) dá continuidade a um importante mosaico de ensaios, com óticas diversas e plurais, sobre medicina e saúde. Coordenação de Vera Barroso, com textos de Léa Masina, Gilberto Schwartsmann, Margareth Dalcolmo e Maria Berenice Dias.
- Poesia Desnuda (Editora Viseu, 114 páginas), de Décio Guimarães, poeta, escritor, advogado e gestor de conflitos, traz poemas candentes sobre o tempo, a amizade, o amor e as mulheres. "Nada de números/ cabalísticos/ Ou prazo para mudar/ De vida e de mundo/ Apenas um lembrete de que a vida segue/ E com ela seguimos."
- Montar e Partir (Editora Europa, 488 páginas, R$ 72,00), segundo livro do gaúcho Ricardo Lugris, que mora na França e ganha a vida vendendo aviões, mostra as belezas do Cáucaso, misteriosa e conflitante região entre a Europa e a Ásia, a partir de uma viagem com sua moto BMW R 1200 GSA. Dezenas de fotos em cores estão na obra.
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