terça-feira, 22 de dezembro de 2020


22 DE DEZEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Chico, o sorriso do Barranco

No começo dos anos 90, o Augusto Nunes foi contratado para ser o diretor de Redação de Zero Hora. Ele chegou querendo se integrar à cidade. Queria conhecer Porto Alegre, provar de suas delícias, contemplar seus encantos.

Neste afã, o Augusto saiu diversas vezes para jantar com diretores da empresa e com outras lideranças da comunidade. Finalmente, depois de alguns dias de trabalho na Redação, ele reuniu alguns jornalistas, eu entre eles, e propôs:

- Vamos jantar em algum lugar agradável para conversar? Que lugar vocês sugerem?

E nós, quase que em uníssono: - O Barranco! O Augusto piscou. Franziu a testa:

- Me digam uma coisa: por que é que todo mundo, aqui em Porto Alegre, quer me levar ao Barranco? Todos com quem saí me levaram ao Barranco!

Deitamos a rir com a anedota. Mas pensei: é verdade, quando uma pessoa de fora chega a Porto Alegre e quer sair para jantar, a tendência de qualquer porto-alegrense é levá-la ao Barranco. Porque se trata de um restaurante alegre, com mesas na rua, dispostas em um plano elevado, que deixa os comensais acima e a salvo dos automóveis que correm lá embaixo. Além disso, há luzinhas festivas penduradas nas árvores do pátio, boa comida e, importante, o Chico Tasca encostado ao balcão, sempre com um sorriso faiscando debaixo dos óculos, sempre com uma gentileza a fazer.

Uma noite, chegamos lá eu e mais dois amigos. Sentamo-nos a uma mesa do lado de dentro e, em 10 segundos, surgiu o Chico com um chope na mão. Ele aterrissou o copo na minha frente e saudou:

- Para um amigo com sede!

Sorri. Bebi dois goles gigantes. E, com a alma refrigerada, ergui o copo na direção dele e proclamei:

- Isso é mesmo coisa de amigo!

Essas brincadeiras eram comuns com o Chico. A única vez em que o vi realmente preocupado foi em meados deste ano, quando ele me ligou duas ou três vezes, bastante aflito. Era um pedido de socorro. Segundo o Chico, o fechamento do restaurante devido às questões sanitárias gerou a pior crise da história do Barranco.

- Estou desesperado - ele disse.

Escrevi colunas a respeito. Fiz comentários na Rádio Gaúcha. Sempre fui a favor do isolamento menos estrito, do isolamento com critérios. Mas, reconheço, ninguém tem culpa neste caso. Porque ninguém sabia como agir. Governantes, médicos, autoridades sanitárias, população em geral, todos estávamos perplexos com as contingências impostas por um vírus desconhecido e cambiante. O corona, desgraçadamente, é imprevisível.

Então, o Chico sofreu com o fechamento do Barranco, e comemorou quando o restaurante reabriu. Falei com ele algumas vezes desde então. Parecia animado, com boa disposição, talvez feliz. Mas, na noite que se estendeu de domingo para esta segunda-feira, o Chico morreu de uma morte inesperada e rápida. Uma triste surpresa. Um golpe para todos que o conheciam. E também para o eventual turista que, inevitavelmente, seria levado ao Barranco. Na próxima vez que for lá, vou pedir um chope e, antes de vir o espeto com a picanha ou a costela, antes de vir os tabletes de polenta frita com queijo, vou olhar para aquele ponto do balcão onde sempre via o Chico, levantar o copo e fazer um brinde:

- Isso é mesmo coisa de amigo!

DAVID COIMBRA

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