29 DE DEZEMBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS
UM BASTA NO JEITINHO
Espera-se que, a partir de agora, nenhuma instituição ou entidade volte a manifestar a intenção ou tentar qualquer artimanha para furar a fila da vacinação contra a covid-19 no Brasil. O país assistiu desconcertado, nas últimas semanas, a investidas despudoradas de grupos já privilegiados para passar à frente na ordem estabelecida e, pior, alegando motivos nobres. Primeiro foram promotores de São Paulo.
Depois, o inusitado pedido partiu do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Após buscar de forma um tanto constrangida justificar o pedido de 7 mil doses para a Corte e seus funcionários, mais o Conselho Nacional de Justiça, o presidente do STF, Luiz Fux, exonerou o servidor que seria o responsável pela demanda. Teria sido uma iniciativa sem o seu conhecimento. É preciso crer que a medida será pedagógica e irá criar uma espécie de jurisprudência para desestimular investidas do gênero.
Seria inadmissível que qualquer grupo organizado, especialmente se estiver no topo da pirâmide social e tenha grande poder de influência, tivesse êxito na tentativa de obter privilégio semelhante. Nos casos específicos, é preciso ressaltar que são funções que estão sendo bem exercidas de forma remota durante a pandemia. Pela natureza de suas tarefas, não estão relativamente mais expostos ao risco de contaminação do que a maioria da população e outras categorias que não figuram entre os grupos estabelecidos como prioritários até agora, como trabalhadores do transporte público.
Conclui-se que definitivamente não estão entre os que necessitam aparecer entre os primeiros que receberão a vacina, a não ser, claro, aqueles que se enquadram em outros critérios, como idade e comorbidades. Os demais devem aguardar, como a esmagadora maioria dos brasileiros.
O STF, especialmente, tem agido e decidido de forma racional em questões ligadas à pandemia e à vacinação, corrigindo equívocos e omissões do governo federal. Assim foi nos casos em que a Corte deu maior autonomia para Estados e municípios atuarem em medidas restritivas, na possibilidade de os entes subnacionais também adquirirem vacinas e no tema de possíveis sanções a quem se negar a se imunizar. Mesmo que o caminho até o desfecho não tenha sido o melhor, a decisão de Fux conhecida ontem evita que o Supremo se mova de forma nada republicana e em defesa apenas de interesses corporativos. Livra o STF de uma grave mancha.
Alvo dos pedidos que partiram do STF e do STJ para a prioridade, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fez bem ao responder de maneira firme que toda a sua produção de vacinas será direcionada apenas ao Sistema Único de Saúde (SUS), para atender à demanda do Programa Nacional de Imunização (PNI). Pode-se discutir a inclusão de um ou outro grupo entre os prioritários para receber a vacina, mas as linhas gerais da fila estão corretas, dando preferência a trabalhadores da saúde, idosos, populações indígenas e pessoas com comorbidades. Há uma lógica baseada em critérios sanitários e sociais. Os demais têm de aceitar e esperar. Basta de jeitinhos e carteiraços.
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