19 DE DEZEMBRO DE 2020
CLAUDIA TAJES
Minha moda, minha vida
A exposição dos trajes da posse do casal presidencial me deu uma ideia: expor modelitos de diferentes ocasiões da minha vida, uma mostra igualmente fútil e desinteressante marcada para acontecer a qualquer momento no armário aqui do quarto. É uma pena não poder convidar amigos, formadores de opinião, jornalistas de moda e público em geral, mas, para além da casa pequena, seguimos respeitando os protocolos e as restrições de um mundo em pandemia. Ninguém entra e, coisa triste, pouco se sai. Tudo indica que por um bom tempo ainda.
Começarei expondo meu primeiro uniforme escolar, do jardim de infância Meu Amiguinho. Guarda-pó branco, chapéu e gravata, criação de algum estilista que apreciava crianças elegantes, de chapéu e gravata. Para momentos como aprender a fazer cinzeiro de argila de presente para o Dia dos Pais e andar de balanço no recreio. Precisava ser lavado todos os dias, já que sempre sujava de terra ou de tinta. Por isso mesmo, dependendo das condições climáticas, volta e meia era usado com a gola e os punhos úmidos, o que era bem chato.
O segundo traje é uma calça Lee. O Brasil mal começava a usar jeans, então uma amiga dos meus pais trouxe para nós da Argentina. A sensação de ter uns seis anos e vestir uma coisa dura e desconfortável. A calça Lee mudava o jeito da gente caminhar, eu e as minhas irmãs estaqueadas dentro delas. Usadas para ir ao Olímpico com o pai e nos dias de chuva, no colégio. Nessa ocasião, as pernas molhavam durante o trajeto casa-escola e a calça ficava mais apertada, impedindo a criança de respirar.
Na sequência, uma roupa qualquer de estar em casa aos oito anos, algo velho e confortável que certamente misturava materiais e estampas muito antes de isso ser hipster. Figurino usado para receber o primeiro pedido de namoro de um colega, que bateu na porta com uma surpreendente coragem e um buquê de flores - a família dele tinha uma floricultura. Minha timidez e minha mãe me forçaram a recusar o pedido.
Salto no tempo para os vestidos feitos de saco ou de chita, costurados por mim mesma, que nunca soube costurar. Tendência na faculdade entre as cocotas e descoladas. Sempre usados ou com sandálias de couro compradas nos artesãos da Praça da Alfândega, ou com botas estapafúrdias. Ainda que se diga que os estudantes das universidades federais andam pelados, em alegre algazarra, os horrendos vestidos de saco foram meu uniforme durante toda a passagem pela UFRGS. Aliás, nunca vi colegas correndo sem roupas ou fumando seu bagulhinho durante aulas, intervalos, seminários e grupos de estudo. Devo ter feito o curso errado, só pode.
Terei um expositor para os figurinos de entrevista de emprego. Um clássico: minissaia e coturno. Mesmo com essa produção, consegui o trabalho e fiquei anos na mesma empresa. O dress code é importante, seguimoras e seguimores, mas personalidade é mais. Falou a pessoa que não serve para influencer de moda, nem para influencer de nada.
Enfim, a roupa mais especial da coleção: o avental de ter filho. Cheio de aberturas estratégicas, recomenda-se o uso só para ter filhos mesmo. Não fossem todas as especificidades da ocasião, seria desejável um modelito mais sofisticado para aparecer em fotos e vídeos. Bem verdade que, hoje em dia, há quem vá para o evento com o cabelo arrumado e a maquiagem impecável, algumas parturientes até fazendo lives enquanto o médico grita: faz força! O Instagram e seus milagres.
As roupas do isolamento não entrarão na exposição. Me poupe de relembrar esse triste período. O pior é pensar que elas tendem a continuar na moda por meses ainda, já que o Brasil está muito atrás na fila dos países que se manifestaram para comprar as vacinas. Na pipoca de economias muito menores, Polônia, Bulgária e Turquia, para citar três delas.
O jeito é inaugurar a exposição no meu armário e não chamar ninguém para ver. Quando chegar a camisa de força Versace que encomendei, posto a foto nas redes.
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