segunda-feira, 28 de dezembro de 2020


28 DE DEZEMBRO DE 2020
CLÁUDIA LAITANO

Cotovelos

Ignorado pelos espelhos, algoz dos corações partidos, malvisto até mesmo quando se distrai sobre a mesa à hora das refeições, o cotovelo nunca passou de um coadjuvante no grande espetáculo da anatomia humana. Que poeta cantou em versos os cotovelos da mulher amada? Que hino celebrou a articulação de todos os braços contra a tirania dos pontapés? Que resquício de vaidade repousa sobre essa esquina quase esquecida de nós? Esquerdo ou direito, o cotovelo é nosso mais gauche ângulo reto.

Em 2020, enquanto alguns perdiam a cabeça e outros se afligiam com a saúde dos pulmões, os cotovelos assumiram protagonismo inédito no espaço público. Ponto de contato possível em tempos de distanciamento, os toques de cotovelo tomaram as ruas, as conferências de imprensa, os pronunciamentos oficiais. O gesto, porém, não nasceu com a covid-19. Ganhou destaque em 2006, com a gripe aviária, em uma espécie de adaptação evolutiva do toque de punho fechado. Voltou em 2009, com a gripe suína, e em 2014, com o ebola, antes de tornar-se fenômeno global, em março, junto com as primeiras providências contra o avanço da pandemia.

Quando os apertos de mão foram cancelados, estabeleceu-se uma breve disputa de popularidade entre o abanico, o "namastê", o toque de pés e o de cotovelos. O abanico é prático, mas muito heterogêneo. O "namastê" é bonito, mas não combina com todo mundo. Pés são meio desajeitados no protocolo do encontro. Já o suave toque das pontinhas dos cotovelos consegue evocar tanto a delicadeza do beijo quanto o meio do caminho entre um abraço e um aperto de mão.

Quem imaginaria que um gesto de tradição tão breve seria adotado em tantos lugares do mundo em tão pouco tempo? Quem apostaria que os cotovelos poderiam tornar-se funcionais, eloquentes, calorosos? A princípio meio constrangidos, aprenderam logo a transmitir respeito, cuidado, alegria e até mesmo amor. Um toque, nada mais do que um toque ("que pode haver de maior ou menor que um toque?", escreveu Walt Whitman), é tudo o que os humanos querem, é tudo de que os humanos precisam.

Feliz (e aconchegante) 2021.

CLÁUDIA LAITANO

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