terça-feira, 15 de dezembro de 2020



15 DE DEZEMBRO DE 2020
NÍLSON SOUZA

O homem que trocou o poste

Minha mulher fez um bolo muito gostoso, como quase todos os que ela faz. Mas esse estava especial. Dei a primeira mordida naquela fatia fofinha e exclamei:

- Humhhh! Ela me olhou e disse: - Errei.

Como assim? Estava muito bom. Então ela explicou que pretendia que a massa ficasse com filetes da cor do chocolate, mas errou na dose ou na mistura. Os filetes se diluíram e o bolo acabou saindo de uma cor só. Já na terceira fatia, eu pouco estava ligando para a cor. Comi fartamente, mas sobrou um pedaço bem grande.

Na sequência, fui para o meu home office e a tela do computador escureceu de repente. Todas as luzes da casa se apagaram. Comecei a ouvir o ruído de um caminhão e corri à sacada para ver o que estava acontecendo. Era quase uma operação de guerra: operários trocavam todos os postes da rua, substituindo os velhos barrotes de madeira por exuberantes monolitos de concreto.

Com o smartphone na mão, passei a acompanhar a operação, que envolvia guindastes e vários homens de luvas e capacetes. Desde o primeiro momento, percebi que um deles se adiantava aos demais, carregava coisas de um lado para o outro, puxava fios, manejava ferramentas, incansável. Até que a máquina ergueu lentamente o pesado concreto e colocou-o no buraco ao lado do poste antigo. Logo, o homenzinho inquieto entrou numa espécie de cesto plástico e foi erguido à altura dos fios, destrançando-os, soltando-os dos isoladores e prendendo-os um a um na nova cruzeta. Tudo com rapidez e eficiência. Só aí me dei conta de que no travessão vazio do poste de madeira, que logo seria abatido pela motosserra, ficara uma casa de joão-de-barro. Deu para os bichinhos, pensei.

Então o alpinista do poste me surpreendeu. Deixou de lado as ferramentas e, com a habilidade de um cirurgião, removeu cuidadosamente a morada das aves, recolocando-a no poste novo, inclusive com a entrada voltada para a mesma direção - como costuma fazer o pedreiro alado.

Tive vontade de aplaudir. Em vez disso, contei o episódio para minha mulher e acabei ficando sem o restante do bolo. Mas foi com satisfação que levei as fatias acondicionadas num recipiente plástico e pedi para um dos trabalhadores passar ao companheiro, tão logo ele descesse do poste.

Não sei se ele entendeu o presente. Os pássaros certamente entenderam.

NÍLSON SOUZA

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