segunda-feira, 21 de dezembro de 2020


21 DE DEZEMBRO DE 2020
CLAUDIA LAITANO

Feliz vacina

Todo mundo já sonhou que perdeu os dentes ou que saiu de casa sem os sapatos ou que obstáculos absurdos tornavam impossível chegar a um determinado lugar ou cumprir uma tarefa. São sonhos universais, provavelmente ligados à maneira como nosso cérebro se prepara para reagir a situações que mobilizam emoções profundas.

Além desses, mais comuns, tenho outro tipo de sonho recorrente: o da surpresa que vem dos céus. Já sonhei com cavalos alados, com noites de duas luas e com uma deslumbrante Aurora Boreal aqui mesmo em Porto Alegre. Infelizmente, essas superproduções noturnas são exceções. Na maioria das vezes, o que desaba do céu sobre a minha cabeça são más notícias: um avião que explode no ar bem perto de onde eu estou, um meteoro gigante crescendo no horizonte, uma explosão nuclear não muito longe da minha janela.

O que esses sonhos e pesadelos têm em comum (além das minhas neuroses e do céu) é o fato de serem experiências coletivas de espanto. Não estou sozinha vendo um cavalo atravessar as nuvens ou um meteoro aproximar-se perigosamente da Terra. A sensação de compartilhar algo excepcional com todas as pessoas em volta acaba sendo tão impressionante como o evento em si. Mais ou menos como na plateia de um grande espetáculo ou na arquibancada de um estádio de futebol. Você está vendo o que eu estou vendo? Está sentindo o que eu estou sentindo?

Não tive nenhum desses sonhos apocalípticos durante a pandemia, que eu me lembre, mas 2020 se encarregou de materializar essa sensação de pesadelo compartilhado. O que vivemos juntos nos últimos meses foi uma experiência coletiva sem precedentes na história da Humanidade e vamos passar muito tempo ainda tentando entender como fomos modificados por ela. Enquanto isso, aquilo que não conseguimos assimilar completamente com a razão vai virando arte - ou sonho.

Se este ano foi um filme-catástrofe ou um pesadelo do qual estamos demorando a acordar, as últimas cenas são de esperança. Em 2020, desejar que a vacina chegue logo a um posto de saúde bem perto de você é a melhor maneira de dizer "Feliz ano novo".

CLAUDIA LAITANO

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