
Sem medo de baratas
Psicanalistas escutam de tudo no consultório. Podemos reclamar de muita coisa, menos de monotonia. Recentemente, escutei uma história peculiar. Uma paciente percebeu que uma barata a seguia pela casa. Ela não se horrorizou porque tem um apreço biológico pela barata. A considera um milagre da evolução, um símbolo da persistência pela vida. Nomeou a barata de Eusébia e a considerou como um pet.
Esse amor durou pouco. A família não entendeu seu apreço pela Eusébia. Sem conversa, sem rodeios, chinelaram sem dó a barata até o óbito. Segundo a paciente, pode parecer nada para vocês, mas como seria se matassem seu pet?
Sinceramente, foi difícil ter empatia para com a paciente, mas estava ali para isso. Entendi os motivos dela, existem outros insetos que não sofrem preconceito. Os lepidópteros (borboletas) nos encantam por serem as flores voadoras do mundo animal. Os coleópteros (besouros) nos deram as joaninhas, bichinho extra fofo. Mas quando chegam as blattaria é só nojo. E ninguém as agradece pelo papel de recicladoras, as faxineiras invisíveis que decompõe o que ninguém mais quer.
Uma vez passei por algo semelhante. Era começo de uma noite romântica, eu na empolgação, querendo agradar, eis que surge uma barata dentro da sala. Antes que eu pudesse levantar, para fazer de macho protetor - afinal, a barata é o novo dragão - minha convidada pegou a barata com a mão e jogou-a pela janela como quem atira um papel de bala na lixeira. No dia não me ocorreu como lhe dizer que seria uma boa ideia lavar suas mãos com álcool.
Esses dois exemplos nos mostram uma verdade incômoda: existem mulheres que não foram na escola no dia em que ensinaram o medo às baratas. Se a moda pega, haverá um desequilíbrio cósmico nas relações entre gêneros. Trata-se de um gesto de apropriação cultural, querem roubar dos homens a coragem de enfrentar baratas. Trata-se de um monopólio milenar, não podemos abrir mão dessas mini empreitadas heroicas que animam nosso cotidiano e reforçam nosso poder.
É maravilhoso ver as mulheres se equiparando aos homens em todas as frentes. Poder escolher parceiras sem a antiga assimetria de saber e poder. Mas tudo tem limite, as baratas são nossas. _
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