sexta-feira, 7 de novembro de 2025


Salvo pelo tererê

Veio como um alerta ao setor de erva-mate a quebra da Vier, empresa octogenária de Santa Rosa, com um item que se mostrava onipresente nos supermercados. Falta de matéria-prima e altos custos operacionais foram alguns dos principais motivos para a autofalência.

As dificuldades financeiras e a sucumbência de uma tradicional fabricante nos põem a questionar: estamos consumindo chimarrão tanto quanto antes?

Pelo jeito, não. O consumo de 11 quilos de erva-mate por pessoa caiu para nove quilos, mesmo sem sofrer com preços abusivos. Não é que os gaúchos tenham se acostumado com o chimarrão lavado, diminuindo a frequência da reposição, mas ainda é o efeito da pandemia, da recomendação na época de evitar o compartilhamento da bebida.

A roda de conversa se reduziu à solidão. O impacto do contágio, por um período que abrangeu dois anos (2020-2022), influenciou drasticamente o comportamento de passar adiante, de fazer amizades a partir de andanças com a mateira.

Morre-se hoje com o mate na mão, sem ressuscitá-lo com alguma companhia. Não existe mais aquela disponibilidade generosa a quem se aproxima, reforçando o histórico coletivo do chá.

Espera-se que alguém solicite. O hábito de socializar é induzido, não mais espontâneo. Antes da covid, você não pedia chimarrão - era oferecido como uma regra anfitriã e fidalga de quem chegou primeiro em qualquer lugar. É fundamental o Estado reconhecer a advertência e retomar campanhas de uso solidário, afugentar receios, incentivar a prática entre as novas gerações, lutar pela sobrevivência do ritual.

Até porque a produção de erva-mate é destaque em 173 municípios do Rio Grande do Sul: um a cada três é alicerçado por essa agricultura. São 240 indústrias, 170 estabelecimentos beneficiadores da planta, oportunizando 120 mil toneladas ao ano. Só ficamos atrás do Paraná.

Além de ser um símbolo do nosso Estado, é o único produto agrícola que pode ser colhido o ano inteiro, permitindo cotações mais vantajosas com os fornecedores.

O chimarrão não deve perder sua condição ancestral de parceria - foi feito para ser celebrado em bando e turma, da esquerda para a direita, para girar e jamais parar até acabar a água fervida. Representa família, companheirismo, confidências.

Traduz o nosso apego às raízes. Não mata somente a sede, mas a fome de estar junto. É o amargo que se torna doce pelo convívio. Seu ronco já integra as nossas melhores lembranças e sonhos com os afetos. Só a exportação para países como Síria, Paquistão e Líbia, mercados emergentes, conseguirá reequilibrar a balança.

Ou dependeremos, no fim das contas, da propagação do nosso arquirrival tererê - o mate frio, cobiçado pelos refrigerantes - para mantermos a abundância da matéria-prima. Quem diria que um dia o chimarrão precisaria do tererê para se salvar. _

CARPINEJAR 

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