
Respostas capitais - Francisco Samonek
Professor, pesquisador e empreendedor social há 40 anos na Amazônia, fundador da Seringô, marca de tênis feitos com insumos naturais
Como o tênis ecológico que vai calçar voluntários da COP30 acabou sendo feito no RS
Francisco Samonek fundou um negócio de impacto social e ambiental positivo. Sua saga passou por quase todos os ciclos do país e, para garantir que seus tênis de látex limpo vão calçar os voluntários da COP30, precisou da produção de uma indústria gaúcha. De um insumo desvalorizado, fez, literalmente, joias.
Como um paranaense foi para o Pará e criou um ecossistema de bioeconomia?
Um domingo à tarde de 1982, estava em Curitiba quando vi um anúncio no jornal. Era um projeto do governo, oportunidade em área no Acre. Trabalhava com meus pais e irmãos na agricultura familiar, mas queria plantar seringueira, não tinha me encontrado profissionalmente. Vendi minha parte da propriedade. Mas mudou o governo, entrou o (José) Sarney, não consegui o recurso. Sem alternativa, como tinha formação em Letras, consegui contrato do Estado, fui dar aula.
Quando pôde retomar?
Organizamos um grupo de produtores, veio uma equipe da Malásia com tecnologia. Entrei pelo viés da inovação e aprendi muito. Em 1986, veio o Plano Cruzado. Ficamos um ano e três meses congelados. Consegui financiamento pelo BNCC, extinto pelo (Fernando) Collor em 1989. Comecei a produzir borracha e vender, até para a Azaleia, aí de Parobé. Depois, veio a Rio92 (pioneira do debate ambiental multilateral), e apresentamos um projeto inovador, couro ecológico. Obtive a primeira patente, de pré-vulcanização do látex. Quando estava forte, mudou o governo do Acre, que formou uma cooperativa central de borracha e quebrou as demais. Voltei à academia, na área de pesquisa e inovação.
Mas insistiu, certo?
Em 2010, me aposentei. No Acre não tinha espaço e fui ao Pará, a Marajó, onde estão alguns dos municípios mais pobres do Brasil. Começamos por Anajás e conseguimos adesão das comunidades que queriam a volta da borracha. E adotamos o viés de seringueiro autônomo, empreendedor. Quisemos que fosse o dono da borracha, não só mão de obra.
Como criou o negócio?
Concorri à certificação de tecnologia social do Banco do Brasil em artesanato. Desenvolvemos um insumo vulcanizante desconstruindo o processo industrial. É isso que sustenta o artesanato, temos patente. Tem influência do processo indígena, de colher látex, aplicar no tecido para fazer tendas, roupas, sapatos, vasos. O processo de manuseio é a tecnologia social.
Há outras patentes?
Depois, surgiu a borracha ecológica, uma segunda tecnologia social, para o seringueiro melhorar a qualidade da matéria-prima. O processo tradicional é colocar um vaso grande no pé da árvore. Todo dia, risca e deixa cair. Naquele leite, cai sujeira, inseto, água. Apodrece e pega um cheiro insuportável. Pedimos que colha cada dia, vá para a casa e coalhe. É parecido com o do queijo: pega o leite da seringa, faz o coalho, espreme com a mão, pendura e deixa secar. Fica pura, sem sujeira. De 50% de umidade comum, a nossa fica com menos de 10%. É essa borracha da Seringô.
É social e ambiental?
Sim, reduzimos uso de água para limpar e higienizar borracha e máquinas. Em São Paulo, o quilo está entre R$ 3 e R$ 4. Nós pagamos R$ 12,50 e, depois da COP, vai para R$ 20. Porque temos um redutor no ICMS do tênis e vamos devolver ao seringueiro. No artesanato, as mulheres recebem R$ 250 pelo quilo de látex. E desde 2021, temos biojoias, brincos, pulseiras e colares de látex, com quilo a R$ 2,5 mil. Para uma família de seringueiros, queremos chegar a receita mensal de R$ 5 mil a R$ 10 mil, entre borracha ecológica, artesanato e biojoias.
Como produz os tênis?
Temos um desafio de estruturar a indústria no Pará para assimilar a produção de borracha. Não temos essa capacidade instalada ainda. Teria condições de produzir aqui só em torno de 4 mil pares por mês, que só consome 2 toneladas por mês.
Onde serão montados?
Habilitamos uma empresa do RS para produzir. Mandamos o material, e eles montam o tênis para nós. É uma empresa de Novo Hamburgo, a LRW, a única que topou fazer para a gente. Procurei várias aí, fui a Taquara, Igrejinha, Picada Café. A Abicalçados me ajudou muito, sou associado.
Onde estão vendendo?
Apostamos tudo em um ponto do Banco do Brasil que, infelizmente, eles não conseguiram inaugurar para a COP, então me quebrou um pouco as pernas. Tive de montar um plano B, estruturar novos pontos de venda.
Como surgiu o tênis, afinal?
Em 2014, já produzia chinelos. Quando o pessoal da Alpargatas (dona da Havaianas) viu, insistiu até eu aceitar produzir 4 mil pares para eles. Fizemos um contrato, me preparei, investi, mas quando íamos começar a produzir veio a pandemia e eles desistiram. Ainda bem que estava prevista uma multa caso não fechassem um pedido até junho de 2020. Peguei esse dinheiro e desenvolvi o tênis. _
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