quarta-feira, 19 de novembro de 2025


19 de Novembro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

E se a COP30 terminasse hoje?

Um ano de preparação, sete dias de negociações e um rascunho bem mais robusto do que os céticos da COP30 poderiam esperar. Reitero: é rascunho.

Tudo pode mudar a qualquer momento nestes dois dias que faltam para o encerramento da conferência do clima. As negociações têm avançado pela madrugada: os debates seguiam até 18h, depois 21h, e, nesta semana decisiva, passam da meia-noite.

Se a COP30 terminasse hoje, poderíamos dizer que o documento é o mais forte desde o Acordo de Paris, criado há 10 anos. No rascunho, foi incluído o mapa do caminho para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, proposta idealizada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e impulsionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na linguagem diplomática, é mais do que "transição para longe", que consta no texto final da COP28, de Dubai.

O documento também traz recados implícitos ao boicote imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como trechos em defesa do multilateralismo e críticas à falta de cumprimento de acordos.

As estratégias também mudam a todo momento. Até a noite de segunda-feira, a proposta do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, para evitar o adiamento do documento final - e ingresso das negociações no sábado e no domingo - era fragmentar o debate em dois pacotes de decisão: um com os temas polêmicos, a ser acertado até hoje. E outro, com itens mais técnicos - e menos controversos - até sexta-feira.

Virou um pacote só, a chamada "decisão de mutirão". Há pressão máxima por entregas até o fim da semana. Está muito claro que o debate da COP ultrapassou, simbolicamente, o discurso sobre clima. O Brasil quer mostrar, de forma veemente, que o multilateralismo está vivo. _

Entre as negociações, cerveja gaúcha

Ricardo Fritsch cruzou o país para representar a agricultura familiar gaúcha nos pavilhões da COP30. Representante da Cooperativa Natural (Coopernatural), de Picada Café, ele trouxe para a GreenZone (zona verde da COP, aberta à sociedade civil) seu produto mais conhecido: a cerveja orgânica Stein Haus. Enquanto a coluna estava no local, Ricardo atendia, com a gentileza peculiar do povo do interior do RS, uma senhora americana.

Na sua barraca, oferece também sucos de uva rosé e branca e amendoim torrado, entre outros 170 produtos orgânicos certificados.

Foram seis meses para estar na COP30. Ele destaca desafios financeiros - só para o aluguel do espaço R$ 12,5 mil, e de distância, incluindo custos de hospedagem, alimentação e deslocamentos diários. Além disso, Ricardo sublinha a logística de transporte e conservação dos produtos, reforçando a complexidade de participar de um evento de grande porte com itens sensíveis como o chope:

- Estar aqui tem muito a ver com o que acreditamos, com o nosso meio de atuação, com nossos agricultores. É importante a gente escutar as discussões aqui e as opiniões das pessoas. É importante termos uma dimensão daquilo que ocorre na COP30.

O gaúcho conta que domina toda a cadeia da produção da cerveja orgânica.

- Produzimos cevada, trigo, centeio e aveia, ingredientes importantes, fora a água. E também temos vários lúpulos orgânicos. O produto não tem agrotóxicos, e a produção de grãos não usa nenhum tipo de adubo químico - explica.

Ele relata a alta presença de visitantes estrangeiros (os "gringos", como diz), que pedem principalmente a IPA (india pale ale). Ricardo pondera múltiplas variáveis, que vão além do eventual lucro: representação dos cooperados, visibilidade, aprendizado das discussões ambientais e prática de atendimento internacional.

- Estar aqui é valioso e coerente com a missão da cooperativa orgânica, mesmo com o esforço financeiro - explica. _

Bordados do Sarandi para Belém

Nelsa Inês Nespolo, 62 anos, enfrentou a enchente de 2024 no bairro Sarandi, em Porto Alegre. Teve a casa invadida pela água e precisou ficar um mês fora.

Agora, ela está na COP30, em Belém, representando mais de 40 mulheres da comunidade envolvidas em bordado e na confecção de peças de vestuário a partir de algodão orgânico:

- A gente vem para dizer: "Olha, vimos nossa comunidade com as águas tomando conta das casas, perdendo tudo". Mas estamos mostrando que podemos fazer diferente com o meio ambiente, não usando agrotóxicos, produzindo a partir de um processo limpo de aproveitamento dos resíduos.

A rede Justa Trama reúne associações cooperativas da economia solidária. São cerca de 700 famílias no país. O plantio do algodão orgânico é feito no Ceará e no Rio Grande do Norte, o fio e o tecido, em Minas Gerais, e os botões, em Rondônia. A confecção é feita em Porto Alegre. Uma das mochilas vendidas na COP30 traz o bordado dos famosos ipês roxos e amarelos da capital gaúcha. _

Cinzas da Amazônia

No momento em que as negociações na COP30 atingem um estágio central, o Greenpeace elevou a pressão sobre os diplomatas por ações contra queimadas e desmatamentos. Próximo aos salões principais do evento, a organização instalou uma espécie de grande aquário com cinzas da floresta amazônica. Ontem, o artista brasileiro Mundano entrou na caixa transparente e escreveu nas paredes internas a frase "COP30, levante-se pela floresta".

Denominada "Cinzas da Floresta", a intervenção artística foi uma resposta à carta de número 11 da presidência da COP, exercida pelo Brasil e publicada na noite anterior, que cita temas difíceis para a negociação. Para o Greenpeace, o documento não apresenta respostas concretas.

- O que fizemos foi trazer as cinzas da floresta, que queima todos os dias, para que os negociadores e os líderes mundiais entendam a urgência e sintam isso aqui nas salas de negociação, para que deem, então, esse encaminhamento tão urgente - disse Camila Jardim, especialista em política internacional da ONG. 

INFORME ESPECIAL

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