segunda-feira, 24 de novembro de 2025


24 de Novembro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Como vem o foco ambiental?

Faço parte de uma das famílias que controlam a usina. Era do meu avô, que teve três filhos. A sede é em Alagoas, e tinha 7,5 mil hectares de reserva de Mata Atlântica. Hoje, tem porte considerável, está profissionalizada, a família faz parte do conselho. Mas meu pai fazia corredores entre as grutas para os animais passarem, enquanto eu e meu primo só pensávamos em tirar e plantar cana, porque dava mais. Meu pai nos chamou e disse: ?Vocês podem fazer qualquer besteira e não serão demitidos, porque um é filho, o outro é sobrinho; agora, se arrancarem uma árvore dessas matas, serão demitidos sumariamente?. Ficamos meio sem entender, eu tinha 21 anos.

Entenderam, mais tarde?

Aprendemos que a usina só moía porque tinha mata protegendo todas as nascentes do Rio Coruripe e seus afluentes. A comunidade está envolvida. Antes, quando o pessoal da cidade precisava de madeira para casa, para consertar o telhado, entrava na mata para cortar árvore. Separamos alguns hectares que eram de cana e plantamos uma palmeirinha usada para artesanato, ouricuri. A comunidade não entra mais na mata. Em 1994, compramos uma usina no Triângulo Mineiro, em Iturama, porque no Nordeste não tinha como crescer. Hoje, temos quatro unidades na região. Em 2005, fomos desafiados a levar o projeto de preservação ao Cerrado. Montamos o Idese, que cuida de reservas e projetos sociais. Compramos quase 10 mil hectares de uma siderúrgica que ia arrancar o cerrado para fazer carvão na caixa d?água do Rio São Francisco.

Como sustentam a reserva?

Antes, dependia da usina. E se a usina tivesse dificuldade financeira, a primeira coisa a cortar seria a área ambiental. Transformamos o Idese em uma Ocip (organização da sociedade civil de interesse público). Trabalhamos para isso nos últimos cinco anos. Hoje, a reserva é autossustentável e ainda sobra um pouco de dinheiro para ampliar a área. Compramos mais 10 mil hectares. A gente gasta mais ou menos R$ 2 milhões por ano na manutenção, o que sobra vai para ampliação, porque a venda de créditos de carbono nos dá de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões.

Como conseguiram esse retorno em créditos de carbono?

Montamos a operação com ajuda do Itaú. O cálculo do carbono hoje é feito acima e abaixo do solo. No Cerrado, as árvores são baixinhas e tortas, mas as raízes são fortes para aguentar a seca. A última venda de carbono teve contrato assinado na COP30. É uma simbologia, porque a gente já vende bem e está ampliando. Os clientes são empresas europeias e algumas americanas. O banco ganha um pedaço desse negócio, lógico, ninguém trabalha de graça, mas é um negócio que dá uma renda anual, por ao menos 30 anos.

A reserva tem outro lucro?

Quando a Coruripe exporta açúcar, ganha US$ 2 a mais por tonelada de açúcar por ter sustentabilidade ambiental certificada pela Vive (Vendor Information Verification Experts) em que se cadastram exportadoras e importadoras. Se não, é o preço da bolsa. E esses US$ 2 dólares vão direto para o Idese, que tem conta bancária separada da Coruripe. Eles pagam um prêmio para quem é sustentável, mesmo em outro país. Cerca de 40% do nosso açúcar é exportado para essas empresas que querem estar no Vive.

O que US$ 2 representam?

Uma tonelada de açúcar para exportação hoje está em torno de US$ 550. O prêmio é de US$ 2, é pouco. Mas para nós, dá quase US$ 1 milhão por ano. Para a reserva ambiental, é um colosso. Banca o custo de preservar e fazer nossos programas educacionais e ainda sobra, com os créditos de carbono, para comprar 1,5 mil hectares por ano. Lá, quando alguém desmata, tem gente que quer botar na cadeia. Eu digo ?minha gente, a briga aqui é diferente, a briga é econômica?. Se colocar meia dúzia na cadeia, 200 vão desmatar. Não adianta.

Como ganhar essa briga?

A gente tem de fazer com que preservar dê tanto dinheiro como plantar soja. Na hora que isso acontecer, ninguém em sã consciência vai tirar uma árvore para plantar soja, correndo o risco da safra, podendo deixar a árvore e ganhar quase igual. Dizem que o Estado é que tem obrigação de preservar, mas não tem dinheiro para educar o povo, fazer saúde. Aí quer que preserve porque é obrigação. No Brasil, acho que nos próximos 200 anos não vai acontecer. A gente tem de permitir que isso seja feito pela iniciativa privada. Esse é o charme da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Nacional). É o governo não gastar imposto, só vai fiscalizar. É caro preservar. Mas com crédito de carbono, passa a ser lucrativo também. 

Respostas capitais - Vítor Wanderley Júnior

Engenheiro mecânico, sócio e integrante do conselho de administração da Usina Coruripe, uma referência em preservação autossustentável no Brasil

"A gente tem de fazer com que preservar dê tanto dinheiro como plantar soja"

Vítor Montenegro Wanderley Júnior ouviu do pai que seria demitido do negócio da família, uma usina de açúcar, se cortasse uma só árvore da reserva. Descobriu que a mata protegia as nascentes do rio que irrigava o plantio de cana. Décadas depois, multiplicou a área de preservação que dá lucros crescentes.

GPS DA ECONOMIA

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