terça-feira, 11 de novembro de 2025


11 de Novembro de 2025
EM FOCO - Rodrigo Lopes

A hora dos negociadores na COP30

Agora começa oficialmente a busca de consensos. Financiamento climático, transição energética e proteção de florestas tropicais são temas centrais da conferência. Todas as decisões precisam ser por unanimidade. Em discurso de abertura, Lula critica guerras, negacionismo e algoritmos

Belém

Indiretamente, sobrou para muitos: negacionistas, os controladores dos algoritmos, quem faz a guerra, semeia o ódio e o medo. O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura oficial da COP30, em Belém, ontem, foi uma síntese da geopolítica atual, que combina desafios hercúleos como conflitos armados, fake news, extremismos e os novos barões da internet, os donos das big techs. Hábil, Lula não citou nomes - e nem precisava: o alvo claro era o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que se tornou o malvado favorito dos defensores do clima.

- A COP30 será a COP da verdade. Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo. Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo. Atacam as instituições, a ciência e as universidades. É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas - disse o presidente brasileiro.

Lula voltou a criticar investimentos em guerras em detrimento de iniciativas de combate às mudanças climáticas.

- Se os homens que fazem guerra estivessem aqui nesta COP, eles iriam perceber que é muito mais barato colocar US$ 1,3 trilhão para acabar com o problema climático do que colocar US$ 2,7 trilhões para fazer guerra como fizeram no ano passado - mencionou.

A referência é aos US$ 1,3 trilhão necessários, por ano, para que países desenvolvidos doem a nações em desenvolvimento para que financiem a transição energética, de uma matriz baseada em combustíveis fósseis, como o petróleo, para energias renováveis. O Acordo de Paris previu investimento anual de US$ 100 bilhões, que nunca foi alcançado. Em Baku, essa cifra foi revista para US$ 300 bilhões, bem distantes da meta do US$ 1,3 trilhão. Em uma Europa armada até os dentes, por medo da Rússia, um Oriente Médio instável, e os EUA negando evidências, chegar a essa meta é algo praticamente impossível.

Estrutura em ajustes

A partir de hoje, os líderes políticos saem de cena. E ficam à mesa os negociadores. Além do financiamento climático, os temas centrais serão transição energética e a proteção de florestas tropicais. Um novo balanço contabiliza a entrega de 110 metas climáticas, o que representa 71% das emissões globais. Grandes poluidores, como Índia, Irã e Arábia Saudita, não submeteram documento à Organização das Nações Unidas (ONU).

Sob temperatura de 31ºC, com umidade em torno de 30%, a COP no coração da Amazônia, que deverá reunir mais de 50 mil pessoas, começou com uma estrutura ainda em ajustes. Na Blue Zone, a área das decisões, apenas o corredor principal, onde ficam os pavilhões de Brasil, Alemanha, Azerbaijão e China estava operacional. Dez passos para a direita ou esquerda exibiam estandes ainda em construção, piso sem tapete e salas abandonadas, uma realidade que não se viu nas COPs de Baku e de Dubai.

Voltando-se às negociações, as COPs são como reuniões de condomínio, onde cada um expressa, em geral de forma bastante egoísta, seus interesses - com muito pouca cooperação. Para complicar, as decisões das COPs precisam ser por consenso - ou seja, as 198 "partes" (lembre-se as COPs são conferências das partes) precisam concordar. Isso normalmente já é difícil ao extremo no documento final - e, em geral, por isso, o resultado das COPs não sai na data prevista para o término das conferências, levando a um ou dois dias a mais.

Mas não é só no final que o debate entrava. No início das negociações isso também ocorre, na definição da agenda das duas semanas de diálogo, quando são debatidos mais de cem documentos, que tratam desde o novo objetivo global de financiamento até a implementação de metas de mitigação e o avanço das políticas de perdas e danos. Cada verbo ou termo jurídico é analisado em detalhe e pequenas mudanças podem redefinir compromissos inteiros.

Além do que já está definido para ser debatido, cada "parte" (país ou bloco de nações, como a União Europeia) pode propor um novo tema. E, mais uma vez, como a decisão tem de ser consensual, todos os 198 precisam concordar que aquele item será incluído na agenda.

Jogada da diplomacia

Esse imbróglio inicial acaba atrasando o diálogo propriamente dito - por isso, em geral, a negociação só engrena depois do terceiro ou quarto dia. O que fez o Brasil? Pactua a agenda antes do início da COP de Belém. Mérito da diplomacia brasileira e do presidente da conferência, embaixador André Corrêa do Lago. Assim, temas propostos em cima da hora já foram aceitos ou rejeitados.

- Quero agradecer às delegações pelo fantástico acordo que alcançaram ontem (domingo) à noite. Esse entendimento permitirá que comecemos a trabalhar intensamente desde hoje (ontem) e possamos explicar ao mundo por que esses temas adicionais realmente importam - afirmou Corrêa do Lago ontem, durante coletiva de imprensa.

Se fosse futebol, teria sido um golaço do Brasil. A COP30 começou bem mais distante do fracasso. _

"O Brasil precisa enterrar fios", afirma Melo

Em sua primeira participação na COP30, o prefeito Sebastião Melo trouxe de volta polêmica sobre o excesso de fios soltos em postes de Porto Alegre, estendendo o problema às demais capitais brasileiras. No debate intitulado "Cidades sustentáveis: o planejamento urbano e as redes elétricas como infraestrutura crítica frente aos eventos climáticos extremos", organizado pela consultoria Ernst & Young, em Belém, Melo afirmou:

- O Brasil precisa enterrar fios. Não dá mais, é insustentável. Esse tema é fundamental.

O prefeito acumula a função de vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP). A declaração ganhou apoio do diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CPFL.

- Não tenho dúvida - disse Rodolfo Nardes Sirol.

- É preciso envolver as telefônicas, é uma vergonha nacional essa quantidade de fios. Vergonha nacional - acrescentou o prefeito.

Outro tema polêmico em Porto Alegre a cada temporal, a questão da poda de árvores também apareceu. Melo contabilizou, a uma plateia composta por representantes de diferentes setores, o fato de Porto Alegre ter 700 praças, 12 parques e 1,3 milhão de árvores.

- Antes do temporal, eu era "arvoricida", depois, eu era irresponsável por não ter feito as podas. As companhias elétricas precisam preparar os seus times para fazer podas melhores. É do negócio das companhias, onde passa as redes elétricas é responsabilidade delas. O resto é conosco (prefeituras) - afirmou.

Além de Melo e Sirol, participaram o painel a diretora de Comunicação e Sustentabilidade da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Cristina Garambone, e a diretora do Instituto Motiva, Renata Moraes. O prefeito defendeu o que chamou de "federalismo climático":

- As pessoas moram nos municípios. Tem de ter planejamento, financiamento. Como vai fazer mitigação sem dinheiro? Tu vais transformar frotas de ônibus poluente com o dinheiro do IPTU, do ITBI? Não. _

Bioeconomia e turismo de base comunitária


rodrigo.lopes@zerohora.com.br

Belém

Mais afastada do centro de Belém do que roteiros mais conhecidos e consolidados pelo turismo de base comunitária, como a Ilha do Cumbu, a apenas 10 minutos do centro da capital paraense, Cotijuba permite uma experiência imersiva na Amazônia. Para o bem e para o mal: a ilha não desenvolveu o turismo, como Cumbu, o que gera renda para os ribeirinhos (o que é, em parte ruim), mas exibe uma cultura in natura (que permite conhecer as idiossincrasias da floresta). A Ilha de Cotijuba apresenta seu turismo de base comunitária de maneira criativa e sustentável, com as histórias e vivências dos moradores mais antigos.

Esse equilíbrio é, provavelmente, o grande desafio da ilha, afastada em 45 minutos a uma hora de barco do centro de Belém. Na comunidade de Pedra Branca, há um movimento coletivo que busca mostrar recursos naturais, como raízes, frutas, plantas, pedras, folhas, usados como matéria-prima no desenvolvimento de produtos feitos pelos artesãos. A criação de abelhas possibilita também o uso do mel para várias finalidades, inclusive na culinária local.

Arte da natureza

Mãe Márcia de Xangô (Iya Eja Emi, que significa "mãe Peixe do Segredo"), sacerdotisa do Templo de Umbanda Caboclo Rompe Mato, localizado na comunidade da Pedra Branca, atua em projetos culturais e socioambientais. O Espaço Mirante da Pedra Branca, na estrada do Poção, é uma vitrine do que a Amazônia tem a mostrar para o mundo, a arte advinda da natureza.

- Nosso trabalho com o turismo de base comunitária é fortalecer os interesses das pessoas que fazem imersão na comunidade e, com isso, conhecer nossas bioeconomias. São saberes ancestrais, que precisam ser reconhecidos e valorizados - diz.

Ela acredita que a COP, pela primeira vez, atrairá os olhos do mundo para a Amazônia. - Estamos tendo a oportunidade de mostrar nossa bioeconomia, saberes, a beleza que tem na nossa Amazônia, e fazer com que eles valorizem o nosso trabalho, porque nós fazemos essa preservação - diz.

Ela exibe, em uma mesa, na entrada de seu quintal, uma série de produtos produzidos a partir da natureza. - Urucu, tintura que pode ser usada medicinal, culinária, molho de pimenta, plantada nos nossos quintais produtivos. Hidromel, que também é feito aqui. Quadro pintado com argila da comunidade - conta.

O Cine Janday é um projeto que promove exibições de filmes, atividades culturais e encontros comunitários para celebrar a cultura afro-indígena, com objetivo de fortalecer as raízes e a identidade amazônica. Além das exibições, a programação conta com contação de histórias e cantigas.

Planta, aroma e sabonete

Márcia explica que a argila encontrada na ilha beneficia mais o uso da tintura e não cerâmica, como seria o esperado. Além da argila, ela mostra o breu, planta típica espalhada pelas matas da Comunidade Pedra Branca, que tem um aroma marcante.

Antes de ir embora, ela nos entrega a raiz de priprioca e o produto feito a partir dela: - Quando a gente colhe, manda pra empresa e ela beneficia a matéria-prima retirando o óleo e depois transformando em creme hidratante, sabonete e perfume

A priprioca não é usada apenas para cosméticos, também é usada na gastronomia, utilizada por grandes chefs internacionais.

O mirante de mãe Márcia está situado acima de um enorme barranco de "barro branco", reflete o efeito das mudanças climáticas. O guia Luís Flávio Mendes Cunha, 34 anos, conta que a Praia de Pedra Branca sofre processo de erosão natural do barranco, fazendo com que árvores e parte do terreno caiam sobre a praia.

- Tinha uma rua que ficava naquela direção, que foi desviada por causa do avanço da maré. Se tem uma perda vegetal muito grande, não segura a terra e acontece de despencar o barranco - diz Luís Flavio. _

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