
11 de Novembro de 2025
CARPINEJAR
Que o Inter seja mais mulher
Para agravar a crise técnica, Ramón Díaz, o comandante colorado, inventou uma crise moral. Usou uma comparação machista na coletiva após o empate com o Bahia no Beira-Rio. "O futebol é para homens, não é para meninas, é para homens." Poderia ter dito: "O futebol não é para meninos, é para homens". Assim, restringiria a má fase a uma questão de maturidade, no âmbito cronológico, não de gênero.
Até porque o que mais se vê em campo são meninos mimados, birrentos, que recebem uma mesada milionária do clube e sequer tiraram as fraldas para empertigar o manto sagrado de uma história de conquistas e proezas. No calor da hora, o anacronismo do argentino emergiu intacto, sem censura. Só imagino o que ele fala no vestiário, sem câmeras. É bem capaz de declarar que lugar de mulher é na cozinha.
Numa frase aparentemente inofensiva, esculhambou a pátria de chuteiras. Esqueceu que a Seleção Brasileira da rainha Marta foi vice-campeã olímpica (2004, 2008 e 2024) e participou de todas as Copas do Mundo. E que o Brasileirão delas virou uma febre de público neste ano.
Se fosse empregado do Palmeiras, teria sido sumariamente demitido por Leila Pereira.
Eu gostaria mesmo que o Inter jogasse com a garra da minha mãe, que criou quatro filhos sozinha, divorciada, trabalhando no Juizado de Menores (antiga Defensoria Pública) de manhã e de tarde e como professora na PUC à noite. E, para humilhar a preguiça, encontrou tempo inclusive para escrever livros de poesia, com os quais ganhou prêmios pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e pela Casa de las Américas (Cuba), além de se tornar patrona da Feira do Livro de Porto Alegre.
Gostaria mesmo que o meu time exibisse o brio, a tenacidade, a disciplina de Maria Carpi, que jamais reclamou, que se transformou em exemplo e referência de conduta, que nunca fugiu das adversidades e colocou seu quarteto de adolescentes na universidade. Hoje somos um jornalista, dois promotores e um juiz.
Eu acordava cedo e a cama da minha mãe já estava arrumada. Espiava seu quarto à noite e a cama seguia arrumada. Não sei quando ela dormia. Invisível para o seu aposento de descanso, mostrava-se onipresente para todos. Ainda deixava almoço e jantar na geladeira. Ainda acompanhava as reuniões da escola. Ainda me alfabetizou depois de um diagnóstico de retardo mental. Ainda nos socorria levando-nos a consultórios e médicos. Ainda nos ajudava com os temas de casa. Ainda preparava as nossas festas de aniversário, o Natal, a Páscoa. Ainda alimentava e cultivava amizades com lealdade e constância. Tem sete décadas de conversas diárias com Nayr, sua colega de Guaporé e do internato do Bom Conselho na Capital.
Gostaria mesmo que o Inter não se valesse das desculpas da arbitragem, das lesões ou das fogueiras das vaidades, e que honrasse sua torcida. As vitórias viriam com facilidade. Acabaríamos com essa abstinência de 14 anos sem título de relevância. Não estaríamos secando rivais do Z-4 e esmolando para conseguir 45 pontos na reta final do campeonato.
Gostaria mesmo que apresentasse a independência feminina, a lucidez orçamentária, a economia milagrosa. Não mergulharíamos numa dívida astronômica de quase um bilhão. Amargamos a falta de uma presidente na nossa instituição vermelha.
Que o Inter seja mais mulher. Que se mire nas arquibancadas, onde milhares delas continuam apoiando esse plantel de crianças que não faz por merecer o ingresso.
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