
O último suspiro do multilateralismo
A devastação no sul do Brasil, com a passagem de um tornado pelo Paraná, repercute na imprensa mundial, no dia em que começa a COP30. Obviamente, essa é uma coincidência sombria. Desde que o RS se tornou um laboratório vivo das mudanças climáticas, um desastre desses sempre é possível, mas nunca esperado.
É óbvio que o rastro de destruição causado em Rio Bonito do Iguaçu, cidade mais impactada pelo tornado, é efeito das mudanças climáticas - pode-se não querer ou esperar. A realidade se impõe.
No entanto, a despeito das opiniões mais catastrofistas, o mundo não irá acabar se atingirmos, o que é bem provável, o 1,5°C acima do período industrial - o limite máximo, não desejado por cientistas e pela própria ONU da temperatura média. Será a morte do Acordo de Paris, por certo, mas não será o fim.
O Protocolo de Kyoto já venceu, e o que mudou foi que a humanidade tem seguido em frente, com o planeta se tornado mais hostil aos humanos, mas seguimos. Houve uma mudança no equilíbrio global - e o ator fundamental, o vírus no sistema, somos nós.
Há quem diga que as COPs não funcionam para nada, que são encontros pouco efetivos e resolutivos. Mas um gráfico do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) obriga a revermos esse conceito. Se o mundo continuasse com a trajetória pré-Acordo de Paris, chegaríamos em 2100 com 3,3°C a 3,8°C acima do período pré-industrial. Com o acertado em 2015, aos trancos e barrancos, conseguiremos manter uma trajetória de 2,5°C a 2,9°C. Está bem acima dos 1,5°C projetados - a luta de todos -, mas ruim com o acordo, pior sem ele.
Outra questão: em meio a guerras que drenaram para as armas recursos que poderiam ir para a contenção do aquecimento global, as COPs são a grande barreira de defesa do multilateralismo internacional. Poucos, hoje, com razão, acreditam na ONU para evitar guerras. Muito menos creem na capacidade de a OMC estancar uma pandemia. E, em meio a tantas nações buscando sabotar o sistema multilateral, a foto de família da Cúpula de Líderes, que antecedeu a COP de Belém, não é protocolar. É um último respiro, uma esperança, talvez tardia, de que a cooperação ainda possa salvar o planeta. _
Como é a produção do "rei da Amazônia"
Localizada às margens da Baía do Marajó, a Ilha de Cotijuba fica na área insular de Belém. Tudo aqui é Amazônia, mas é na região das ilhas que se mergulha na floresta e em suas contradições. Chega-se à ilha apenas de maneira fluvial, por meio de linhas de barco que saem diariamente da capital. A partir do novíssimo Terminal Hidroviário da Tamandaré, uma das obras da COP30, entregue pelo governo do Pará, são 45 minutos, se a maré estiver "amigável".
A coluna fez essa travessia de 22 quilômetros em meio a paisagens naturais incríveis, à Amazônia viva, e à vida ribeirinha, no sábado. Em Cotijuba, onde vivem cerca de 8 mil habitantes, os automóveis particulares são proibidos. O meio de transporte é a "motorrete", uma charrete puxada por motocicleta.
Os primeiros habitantes da ilha foram os tupinambás, que batizaram o lugar como Cotijuba, que significa "trilha dourada". O local guarda algumas das contradições, que, nos fóruns internacionais, como a COP30, são destacadas pelos líderes como desafios ambientais e climáticos. Assim como a Amazônia é o tema mais falado nas COPs e menos conhecidos, o açaí provavelmente é a fruta mais apreciada do bioma mundo afora e menos compreendido.
Marinho Júnior, 25 anos, planta e colhe açaí desde que se conhece por gente na fazenda da família em Cotijuba. Aprendeu com o pai, que, além do açaí, exercia o trabalho de retirada do látex da seringueira, quando o Pará viveu o auge do segundo ciclo da borracha. Usando uma folha do açaizeiro arrancado ali mesmo, Marinho faz uma "peconha", um instrumento que forma um anel ou laço que coloca em torno dos pés. Rapidamente, ele trepa na árvore e já está lá em cima, com tamanha destreza. O açaizeiro pode chegar a 15 metros de altura em seu terreno preferido, várzea fértil e sombreada.
- O alimento do paraense é 90% o açaí. Tem que ter todo dia - diz Marinho, enquanto retira o fruto do cacho recém-cortado.
Ele desconfia dos efeitos das mudanças climáticas:
- O açaí está secando muito. Acho que tem a ver com o clima. O açaí geralmente não secava em uma época como agora.
Processamento
Depois de colhida no mato, a fruta é colocada em água morna, para amolecer. Em seguida, é feita a limpeza e o branqueamento. Amolecido, retira-se a poupa, que Marinho faz no ponto de venda, na estrada "Vai quem quer", que corta a ilha. No local, trabalham com ele Regiane da Silva, 24 anos, e Milene Soares, 20 anos.
Durante a safra, de junho a janeiro, Marinho produz cerca de 10 mil latas de açaí. Cada uma, tem 22 litros. Hoje, o litro está custando R$ 14 ao consumidor final. Na entressafra, chegou a R$ 25. Aí está uma das contradições. Como o açaí virou commodity internacional, sendo exportado para mais de 30 países, muitas vezes o produto torna-se caro até para a comunidade, chegando a custar R$ 60 o litro.
Apenas 5% de cada fruta é aproveitada. O resto é caroço (ou "toba"), o que, se mal manejado, vira um problema ambiental. Marinho utiliza o resto como adubo em sua propriedade. Mas nem sempre há uma destinação correta. Bairros da periferia de Belém, entre os anos 1960 e 1990, e ainda hoje, foram aterrados com o caroço. Atualmente, há pesquisas em andamento para reutilizar a "toba" de forma sustentável.
O Brasil produziu 1,93 milhão de toneladas em 2023, com exportações de US$ 140 milhões. O Pará concentra 80% da produção, mas enfrenta questões ambientais. Um deles diz respeito às condições de trabalho. Há ainda pressões ligadas à "açaização" de grandes áreas.
Assim, o açaí, "rei da Amazônia", carrega uma dupla face: é um exemplo de bioeconomia sustentável, mas também um alerta sobre a exploração descontrolada. _
A última carta
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