
19 de Novembro de 2025
CARPINEJAR
O salto da infância para a adolescência
Eu reencontrei minhas bolitas e meu time de botão no alto do armário, numa caixinha de sapatos. Jurei que era um par de calçados, mas era a minha infância descalça.
Jogava bolinha de gude no recreio. Desfrutava de grande pontaria para acertá-la nas esferas adversárias. A dinâmica se desenrolava em buracos ou em um círculo desenhado no areal. O desafio começava pela decisão: às verda, às ganha, às brinca.
Nunca ia para passeio: queria às ganha. Para levar tudo. Chegava com cinco unidades e, quando soava a sirene do colégio, retornava à classe com a fortuna triplicada. Aprimorei a minha mira na distância de três metros. Até hoje não erro na hora de atirar um papel no lixo de longe. Os bolsos do uniforme faziam barulho com as gudes se batendo. Não tinha onde guardar o meu lucro do dia.
No sábado e domingo, eu disputava campeonato de futebol de mesa com os meus vizinhos na garagem de casa. Arrumávamos a bolinha de um botão perolado, sem furo, roubado de uma camisa chique de nossos pais. Provocávamos discussões matrimoniais sobre o sumiço constante da pecinha, que subtraíamos das mangas.
Eu sempre terminava com o vice-campeonato. Jamais superava o meu irmão Rodrigo. Ele possuía um meio-campista habilidoso - de três cores, desdentado, de nome jocoso Mônica (em homenagem à personagem dentuça do Mauricio de Sousa), com um furinho na borda - que conferia curvas impossíveis aos chutes, justamente pelo seu defeito no acetato, causado por uma queda.
O ocaso das duas brincadeiras aconteceu com a febre do ioiô da Coca-Cola no início dos anos 1980. Foi o fim da minha meninice e o despertar precoce da adolescência. Permutavam-se tampinhas por um ioiô.
Os balcões dos bares viviam repletos de gente para a retirada dos produtos. Enfrentávamos filas que contornavam quarteirões para conseguir o modelo master profissional.
Formavam-se rodas para admirar os efeitos especiais, oferecendo a chance de ser popular na escola e inclusive namorar - fato novo, que a bolita e o botão não proporcionavam.
Migrei das amizades ingênuas para a tentativa desesperada de romance. Ninguém mais se ocupava de outra coisa, só de ensaiar e realizar as oito coreografias. Eu ainda me recordo delas, de tanto que treinei. Dorminhoco: o ioiô parava no ar. Cachorrinho passeando: o ioiô andava no chão por alguns segundos.
Meia-volta: uma circunferência mais fechada. Catarata: movimento forte na diagonal. Trevo: você deveria esboçar as folhas no ar de primeira. Cachorrinho pulando a cerca: partia-se com o Dorminhoco e efetuava-se a troca de mão.
Balanço: traçava-se um triângulo para criar o vaivém. Voltas e voltas: vários gestos sincrônicos de malabarismo para os lados, quase como um engolidor de fogo.
Havia campeonatos, premiações, tumultos relâmpago quando aparecia um craque para dar uma palhinha e inaugurar coreografias que não constavam no manual, como a Torre Eiffel. Guris e gurias se esmeravam nas técnicas, lotavam ginásios com suas exibições. Não me lembro de ter testemunhado igual transe comunitário, igual hipnose, igual moda, ultrapassando a onda das faixas de cabelo dos Menudos.
Uma atividade solitária, antiga, ancestral, virou esporte coletivo naquela época. Esquecida por décadas como o pião, de repente, por uma campanha, espantou a poeira do anonimato e se tornou uma recreação onipresente.
Sou de uma geração prensada entre dois discos, tirando truques de uma corda. Quem experimentou esse período nunca mais rolou o ioiô somente para cima e para baixo. Ficou refém da mágica. _
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