
17 de Novembro de 2025
CARPINEJAR
O temporizador
Você entrega sua idade com o temporizador do celular. Quanto mais segundos tiver, mais velho você confessará que é. Não existe suspense tão inútil como o de esperar 10 segundos para uma selfie. Causa um derrame no sorriso.
Deixar o dispositivo ligado só acontece para aqueles que não sabem mexer nas opções de imagem. Demonstram uma profunda solidão analógica. Usam-no do jeito como veio da loja e não mudam nada.
Numa palestra em Brasília, roubei o celular de uma senhora que fez foto comigo no camarim. Não foi uma vingança pelo seu temporizador. Nem um castigo aplicado pelo nosso congelamento facial para o flash infinito. Tampouco maldade de minha parte. No tumulto de entrar no palco, de ser chamado às pressas para a apresentação de meu nome pelo cerimonialista, que já estava ocorrendo, peguei um celular que estava em cima da bancada jurando que fosse o meu. O mesmo modelo, o mesmo tamanho. Sequer titubeei. Botei no bolso e segui para a minha imersão de reflexões com os espectadores que lotavam o auditório do Centro de Convenções Ulysses Guimarães.
Pela adrenalina do momento, nem me dei conta. Só calculo a angústia da leitora ao procurar o seu aparelho. Ela jamais imaginaria que o seu artista teria afanado sem que ninguém percebesse, num furto qualificado pela ansiedade e pela distração. Colocou a culpa em todos, em si, menos em mim.
Deve ter acionado os seguranças, reprisado seus últimos movimentos, revirado a bolsa e a esvaziado várias vezes, solicitado que algum conhecido entrasse em contato para localizar o objeto perdido - se não pelo som, pela luz piscando -, enquanto eu mantinha a minha conferência absolutamente alheio ao seu drama.
Somente constatei a confusão depois de duas horas, ao tirar uma foto de celebração com o público. Alcancei o celular ao fotógrafo do evento, mas ele me questionou: "Está com temporizador?". Respondi que nunca usava. Fui olhar, e aquela proteção de tela com um cachorrinho não me pertencia.
Verifiquei de novo a calça e lá estava o meu celular, o meu de verdade. Espontaneamente, gritei para as duas mil e quinhentas pessoas no teatro:
"Se alguém sentiu falta de seu telefone, está comigo. Surgiu mais um no meu bolso".
A dona ainda me agradeceu a devolução, apesar de seu sofrimento, apesar de meu crime, apesar do nervosismo aflito com o destino de seus dados pessoais. Não duvido que tenha bloqueado o cartão ou trocado a senha das redes sociais. Cento e vinte minutos era caso para o fim da esperança, para admitir que não haveria restituição. Ela foi excessivamente perseverante.
Esqueci de dizer: o temporizador é também próprio de quem é generoso. A generosidade se origina da paciência. Em tempos afobados, dispor de um timer para a fotografia é um heroísmo da ternura, uma amostra da paz de espírito, uma guarida para a solenidade do encontro. O gesto, a princípio anacrônico, sempre prolonga um pouco mais, para o bem da memória e da saudade, o abraço e o convívio.
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