
07 de Novembro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes - com Vitor Netto
Falta coerência entre discurso e prática
O discurso do presidente Lula na abertura da Cúpula de Líderes, em Belém, ontem, descreve com precisão a necessidade de se levar a sério os alertas da ciência sobre os riscos de um planeta cada vez mais quente. Tudo certo! O presidente, como anfitrião da COP30, fez uma convocação exemplar diante dos chefes de Estado e de governo sobre a urgente necessidade de "se afastar dos combustíveis fósseis". Aliás, mais do que urgente, justa.
No entanto, a "COP da verdade", conforme escreveu o presidente em artigo publicado em grandes jornais brasileiros, inclusive Zero Hora, ontem, precisa começar, com transparência. Caso contrário, virará mais um daqueles eventos para "inglês" ver - perdão pelo clichê, caro leitor, e sem qualquer relação com a presença do príncipe William em Belém.
Mas o fato é que todos que se preocupam com um desenvolvimento sustentável estão cansados de retórica, de reuniões de cúpula pouco efetivas e, principalmente, pouco resolutivas.
O discurso de Lula para o mundo ouvir não condiz com a prática - ao menos na parte em relação aos combustíveis fósseis. É verdade que o Brasil reduziu o desmatamento da Amazônia, e esse esforço deve ser reconhecido e aplaudido de pé.
Mas em relação ao "se afastar dos combustíveis fósseis" (o presidente usou literalmente o verbo "afastar-se", que consta no documento final da COP28, de Dubai), o que se vê é o contrário. O governo anfitrião da COP30, como os anteriores, em Dubai e em Baku, o que faz é "aproximar-se" dos combustíveis fósseis, ao promover a exploração de petróleo na costa amazônica, não muito distante de Belém, na altura de Oiapoque (Amapá).
Talvez essa falta de coerência entre discurso e prática caiba na parte em que Lula referiu-se a estar convencido das dificuldades e contradições. Talvez.
Lula discursou com firmeza sobre justiça social e cooperação, em um mundo cada vez mais dividido geopolítica e economicamente. Mas a própria credibilidade da COP30 depende de transformar palavras em ações. E de coerência. _
Tapumes na Zona Azul e estandes inacabados
A COP30, oficialmente, ainda não começou. A abertura será na segunda-feira. Mas, na prática, ela já foi inaugurada. Não só pelos discursos dos chefes de Estado e de governo, entre ontem e hoje, que estão dando o tom da conferência, mas porque a maioria dos espaços já está aberta aos participantes dentro da Blue Zone, a "Zona Azul", local onde são tomadas as decisões da COP.
Abertos não significa que estão operacionais. Os líderes não irão ver, mas o local da COP30 é ainda um canteiro de obras. Chefes de Estado e de governo tiveram acesso ao plenário ontem, dentro da área chamada "Hangar", centro de convenções construído a partir de um antigo hangar do aeroporto que funcionava anos atrás no Parque da Cidade. Ali, está tudo lindo.
Mas delegados, negociadores e jornalistas adentram na COP30 pelo portão principal. O pavilhão das delegações fica logo após o ingresso na Blue Zone. Ali há operários trabalhando por trás de uma cerca a fim de finalizar as áreas reservadas a cada nação.
Pedaços de madeira
Seguindo-se em direção aos salões das reuniões, imensos painéis, que mostram imagens da floresta Amazônica, sua fauna e flora, ainda estão pelo chão à espera de serem posicionados nas paredes. Há também escadas espalhadas e pedaços de madeira espalhados em corredores.
Faltam quatro dias para a abertura oficial da COP. A ideia de antecipar a abertura "extraoficial" foi do Planalto, na tentativa de liberar mais dias para as negociações - em outras COPs, o encontro de líderes ocorre no dia da inauguração formal. _
Ritual indígena e pressão por financiamento
Antes do início da Cúpula dos Líderes, o grupo Aliança dos Povos pelo Clima realizou manifestação em frente ao acesso principal da COP30. Cerca de 40 pessoas, entre representantes indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da Amazônia, fizeram o chamado "Giro de Raízes" - uma cerimônia para abençoar, com cantos, maracás e danças, o espaço que receberá as discussões climáticas.
Durante o ato, os manifestantes abriram uma faixa com os dizeres: "Financiamento direto para quem cuida da floresta". A reivindicação do grupo é que os recursos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca captar por meio do fundo tropical Forest Forever (TFFF, na sigla em inglês) sejam destinados diretamente aos povos indígenas e comunidades tradicionais, sem a intermediação do governo.
E sabe aquela crise dos preços exorbitantes para hospedagem em Belém? Ela parece ter migrado para dentro da COP30 - no caso, agora, para a alimentação. Para consumir dentro da Zona Azul, é necessário fazer um cartão pré-pago. Em um dos poucos cafés que já estão operando na Blue Zone, uma lata de água de 350 ml custa R$ 25. Já o cafezinho de 60 ml sai por R$ 18.
O RS na fala ministerial
O ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, citou a tragédia provocada pela enchente no RS, em 2024, para alertar sobre a necessidade de investimentos em prevenção. O tema foi trazido pelo próprio ministro em rápida entrevista ontem, na Cúpula dos Líderes.
Jader reforçou a importância de recursos financeiros. O ministro cobrou das grandes economias, responsáveis pelo maior percentual de emissões de gases do efeito estufa, que provocam o aquecimento do planeta. O tema do financiamento climático é um dos mais tensos da COP30.
- Quem polui o planeta são os países do primeiro mundo. São eles que têm que dar a maior parcela. E insisto, se não tivermos recursos e vontade séria por parte dessas pessoas, o que aconteceu no RS vai se repetir cada vez mais. E não só no Brasil, vai ser no nosso planeta - disse.
Segundo ele, obras de prevenção devem estar previstas anualmente nos orçamentos federal, estaduais e municipais. Questionado se o fato de a COP30 ser realizada na Amazônia não se dará menor atenção a outros biomas brasileiros, Jader afirmou:
Não é a Amazônia nem o Pampa. Precisamos discutir o planeta. Se não fizermos isso, teremos perdido aqui uma grande oportunidade.
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