
Mais de 40 mil no Beira-Rio
Há vitórias que não são bonitas, não são justas, não são edificantes, mas descarrego, exorcismo, catarse, livramento. Foi o que aconteceu com o Inter em cima do Ceará na Arena Castelão na quinta-feira. O time vem jogando o seu pior futebol na temporada, sem infiltração, sem solução, com pouquíssimos arremates. Venceu a equipe cearense nos minutos sorrateiros. No último gemido mais do que no último suspiro, mesmo com a superioridade numérica por quase toda a partida.
Ganhou no sufoco, na sorte, não por merecimento. Mas ganhou, é o que importa no estertor do Brasileiro. É como um centroavante em abstinência marcando gol de canela - só agradecerá que a bola bateu em sua perna e acabou indo para as redes.
Agora, com o Santos hoje, chegou a hora de não pensar em outro escore senão mais um triunfo e pôr a pá de cal na cova do Z-4. Não se deve buscar o luxo de um empate, pois os jogos seguintes serão fora de casa. Não dá para esperar e definir a permanência na Série A na derradeira rodada, com o Bragantino. Nunca se sabe o nervosismo.
É tudo ou nada. É aproveitar o embalo e lotar o Beira-Rio. Que o torcedor entenda a gravidade da situação, o tamanho do buraco, a falência que significaria um descenso para um clube completamente endividado. Não há mais espaço para pudores, pruridos, protestos ou mágoas domésticas. Resta esquecer os antecedentes negativos em Porto Alegre, esquecer o ranço acumulado: trata-se de atropelar o medo (sequer Neymar veio para a capital gaúcha). É uma decisão mais crucial do que o Gre-Nal que tolheu a possibilidade do octa do rival.
Não há como desperdiçar três pontos. Não há como adiar a redenção.
Se não contaremos com Carbonero e Tabata, expulsos, não entremos em paranoia, aceitemos o destino, vamos com os guris Gustavo Prado e Ricardo Mathias. Já que Ivan encontra-se lesionado, acolhamos Anthoni em generosidade amnésica, sem lembrar suas reincidências atrapalhadas. Quem se fardar será o nosso craque, o nosso ídolo, o nosso coro de urros e aplausos.
A meta é terminar o ano com dignidade. Depois lavaremos as camisetas sujas e encardidas em público. Depois insultaremos e criticaremos a direção.
Não se xinga doente. Aguardemos que o Inter se recupere do fundo do poço em que se meteu para retomar a saúde das cobranças.
A crise técnica se apresenta, antes de qualquer coisa, como uma catástrofe psicológica do vestiário. Algo saiu do lugar desde a lesão de Fernando e sua dispensa. Sem o capitão moral, o elenco virou um agrupamento. Até Alan Patrick desapareceu e, com o seu ocaso repentino e inexplicável, liquidou suas chances de ser convocado para a Copa.
Ele não desaprendeu sua arte, vive um bloqueio criativo provisório. Como os demais colegas. Um dia desencanta.
Tanto faz quem será o escudo e a bandeira sacrificados na 16ª posição do inferno. O cavalinho retardatário do Fantástico. No turfe da sobrevivência, sentimentos nobres como a piedade ou a compaixão tendem a desvanecer. Precisamos correr longe de sua ameaça. Ganhando do Santos, poderemos ultrapassar Ceará, Vasco e Grêmio, e galgar três postos na tabela.
O que dói é constatar que estamos a oito pontos de uma pré-Libertadores em potencial, tendo ainda confrontos com três adversários diretos para a vaga. Seria sonhar demais, não é o momento. Um passo de cada vez. Nosso foco é sair do pesadelo.
Se chover, lutaremos contra a fúria das águas, a velocidade dos ventos. Se o juiz falhar, lutaremos contra os seus desmandos. Não existe brecha para desculpas. O que é do povo ninguém tira.
Que tenhamos mais de 40 mil apaixonados no Beira-Rio. Que tenhamos ruas de fogo. Que tenhamos explosão luminosa no céu, irrompendo perto do hotel santista. Que não deixemos a cidade dormir. Que o rugido seja de uma final faminta. Que a pressão seja escandalosa, febril, tóxica.
De acordo com pesquisa recente encomendada pela CBF e realizada pelo Instituto Nexus, o Internacional possui a sexta maior torcida do país, a maior do Sul e a primeira além do eixo Rio-São Paulo. Cabe-nos provar a estatística, justificar esses quatro por cento vermelhos do Brasil.
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