Transidade
Um japonês, Jackie, adotou a transidade. Ou seja, ele tem 39 anos e se sente com 28. Não se identifica com sua geração. Acredita que seu corpo possui a força, o ânimo e o fôlego de uma década atrás.
Não prevejo qual idade ele comemorará de verdade em 2026: 40 anos ou a repetição do quase 30. Vai sonegando velinhas no bolo. É um caso estranho, meio retrô, porque surge num período em que finalmente prevalece a sinceridade etária.
Era comum mentir a idade. Avançamos contra o etarismo. Desponta o orgulho de ostentar a data de nascimento com festas para faixas acima dos 60. Enfraqueceu a loucura de ansiar pela poção da juventude eterna, como quem procura desenterrar o Santo Graal. A saúde é o principal objetivo na longevidade.
De modo geral, as pessoas passaram a enaltecer suas experiências. O fato de ter vivido muito. De ter viajado. De ter casamentos e relacionamentos anteriores. Acabou aquela história de carro zero, de fingir ineditismo, de enganar e dissimular estreias. As dores são nossas conselheiras. Os erros são nossos fiadores de sabedoria.
Jackie teve o insight no momento em que seu chefe o repreendeu por demonstrar desconhecimento de uma tarefa elementar do serviço. Não condizia com sua bagagem quarentona.
A ausência de referenciais de maturidade embaralha os movimentos geracionais e embota o discernimento da cadeia evolutiva. Não existem mais os marcos de adultização como antes: aprender a dirigir, a cozinhar, a morar sozinho, a controlar o dinheiro, a lavar as roupas.
Pode-se apresentar uma aptidão ou outra; nada mais se mostra imprescindível. As crianças são capazes de se desenvolver sem amarrar cadarços, sem mexer no fogão (só utilizando o micro-ondas), sem nadar, sem andar de bicicleta. Os passos de emancipação não são claros e não cumprem expectativas sociais.
Há gente com 30 anos que permanece residindo com os pais, sustentada à base de mesada, num isolamento propiciado pelas redes sociais. Jamais experimentou a independência. Jamais pensou em declarar Imposto de Renda.
Venho de costumes diferentes. Fui analógico. Comecei a trabalhar cedo, ainda adolescente. Celebrei os primeiros fios de meu bigode ao deixar de ser imberbe. Meu sonho consistia em sair de casa, datilografar com todos os dedos, formar família e alcançar a casa própria. Crescer significava ser responsável a partir da disciplina e das obrigações diárias.
Talvez por isso eu não mascare a minha antiguidade. Pretendo durar longamente, saboreando fases e estações, mas nunca me perdendo em obsessão saudosista, nem querendo estacionar em alguma época dourada, achando que o melhor já aconteceu.
Eu tenho exatamente 53 anos. Não trocaria um dia de minha existência atribulada. Cada ruga, cada vinco, cada pé de galinha em meu rosto me pertence e me explica. São cicatrizes das alegrias.
Tanto que, quando alguém tenta adivinhar minha idade, sempre acerta: - Você parece que tem 50 anos.
Não me desagrada. Estou conservado dentro do meu tempo.
CARPINEJAR
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