
12 de Novembro de 2025
CARPINEJAR
Franciscanas
Eu não usava chinelos na infância. Não me recordo deles, a não ser na praia, quando os transformava em traves de gol nas peladas com os amigos. Sua frequência não era como a de hoje, onipresente, para qualquer situação caseira, inclusive com extravagantes meias no inverno, ignorando o dedão envelopado, sem o devido encaixe.
Os pais nos calçavam, no fim do ano, com sandálias. Durante muito tempo, no forno de Porto Alegre, eu pisava com aquelas sandálias brancas ou marrons da humildade, de pescador, na santidade do quintal e da rua. A partir do fim de outubro, mudávamos o tipo de calçado. Os tênis perdiam seu monopólio. Eu vivia uma trégua de amarrar cadarços, só precisava prender as tiras.
Minha mãe tinha uma tática para combater o chulé. Os pés chegavam a ficar sujos pela sola escorregadia de tanto suor, de tanta poeira acumulada nas bordas. Ela dava uma geral com o paninho, secava bem as sandálias e as colocava dentro de sacos plásticos no congelador por algumas horas. Parecia piada, mas funcionava. O frio ajudava a matar as bactérias e fungos. Depois, eu as reestreava como se fossem novas, com o adicional de me refrescarem.
No Sul, não vejo mais as sandálias em crianças com idade de alfabetização. Restringem-se aos bebês. Não sei se saíram de moda, ou foram ofuscadas pelos Crocs. No Nordeste e no Norte, até os homens adultos seguem combinando-as com roupas mais sérias. São atemporais. Aqui não tem mais consumo como nos anos 1980. Nossas lojas oferecem exclusivamente modelos femininos.
O sujeito que ainda adota o figurino pelas nossas bandas é tachado de hippie, como se fosse transgressor por ideologia. O item franciscano se tornou um símbolo de insubordinação, quem diria? É mais preconceito do que verdade. Serve a todos os estilos, a todas as circunstâncias, para mitigar os efeitos do calor escaldante.
Talvez volte - porque tudo na história é cíclico -, assim como a calça balonê, no estilo de Aladdin e da Jeannie é um Gênio, ameaçando reocupar nossos armários após dominar o verão europeu.
Na minha meninice, as estações e os lugares definiam o que íamos botar no chão de nossos passos. Havia uma adaptação ao clima. As galochas azuis ou pretas nos atendiam nas chuvaradas. Muitas vezes fui à escola protegido dos charcos e da correnteza do meio-fio. Elas cobriam o abrigo, quase na altura dos joelhos. Terminava caçoado pelos colegas - diziam que eu iria caçar marrecos. Naquela época, em que eu me mostrava absolutamente franzino e vulnerável, os marrecos é que se encontravam mais preparados para me caçar.
Liberdade mesmo eu sentia ao visitar o Pampa de alpargatas, feitas de sarja e solado flexível, substitutas do descanso e do lazer das botas na pilcha.
A impressão era estar descalço, correndo pelo campo aberto. Brincava de pega-pega com os irmãos, na vastidão das gramíneas, do capim-forquilha e do capim-mimoso. Juro que voava no balé das coxilhas. _
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