
10 de Novembro de 2025
CARPINEJAR
Reprovação
Uma das grandes tristezas da infância era quando um amigo rodava de ano e perdia a companhia da turma. Ele se desgarrava do grupo de rotina, a sua segunda família. As despedidas eram lancinantes, com choro e abraços dignos de velório: um de nossos soldados havia ficado no caminho e teria que recomeçar os vínculos do zero. Os mesmos professores, o mesmo conteúdo, mas novos colegas de classe.
Recordo-me do Alexandre, o principal meio-campista do nosso time, campeão do terceiro ano do fundamental da Imperatriz Leopoldina. Não conseguiu média em história, e prejudicou nossa história: jamais levantamos outra vez o caneco.
O medo de reprovar rondava o nosso imaginário como o pior castigo da convivência, inspirando o empenho para não termos que suportar o retrocesso. O que eu sofri não será mais o caso dos estudantes gaúchos da rede estadual. Para combater a evasão escolar, o governo publicou portaria permitindo que alunos progridam de ano com reprovação em até quatro disciplinas.
Não alcançar a média e refazer o percurso, como acontecia no meu tempo, parece menos angustiante do que se manter excluído como um fantasma, sem demonstrar evolução, sem compreender bulhufas dentro da sala, com a piedade de todos, vivendo como um proscrito e alvo de bullying pela ausência de conhecimento. Ou alguém acha que esse aluno não será visto com a pecha de favorecido diante dos seus pares que suaram para garantir a caneta azul no boletim?
Na minha época, havia causa e efeito de maneira racional: pagava-se o preço de não acompanhar a teoria, com a chance de uma ou duas etapas de recuperação. Não se tratava de um processo injusto, pois as tentativas não se esgotavam e iam além do calendário oficial, com provas fora de temporada.
A progressão parcial encampada pela Secretaria de Educação admite a repetência em duas áreas de conhecimento e em duas disciplinas por área, totalizando quatro matérias. O candidato pode não se dar bem em literatura e língua portuguesa, desde que não estenda a nota negativa para inglês, por exemplo. Assim como pode não ser julgado apto em matemática e química, desde que não envolva também física.
Essa cisão entre exatas e humanas é uma visão anacrônica que não combina com a multidisciplinaridade e a interação lúdica entre os eixos do saber.
Experimentamos consciência do perigo da debandada, acentuada depois da enchente. A evasão é nosso trauma, com uma taxa de abandono no ensino médio de 8,9% em 2023 - 2,34 vezes maior do que a média nacional. Há 148.220 alunos com risco real de largar os estudos na rede estadual, segundo a Seduc. O número representa mais de 20% do contingente de estudantes (hoje em torno de 700 mil).
Apesar das intenções nobres, apesar da proposta resiliente de mitigar o afastamento e o desinteresse proféticos, não tem como mascarar os índices com uma aprovação geral e irrestrita para quem não obtém o mínimo rendimento. É adiar a verdade, cristalizar a falta de qualidade de nossos futuros profissionais.
Soa como uma permissividade que destoa da nossa tradição ancestral e cultural de rigor e excelência. Não é possível se valer unicamente da frequência de 75% para formar uma criança ou adolescente. A aprendizagem não se dá por osmose, mas por atenção e engajamento. Ainda que ocorra a suplementação nos anos posteriores, o currículo atrasado retardará a absorção do atual. Um passo atrás não fará ninguém correr em seguida, somente reforçará o alheamento e a sensação de deslocamento.
Estamos desconsiderando a elementar neuroplasticidade. A mente humana depende de desafios para fortalecer as sinapses (conexões entre neurônios) e aumentar a eficiência do cérebro em processar e memorizar informações.
Acredito que o aluno despreparado, que continua sendo perdoado em reiteradas oportunidades, longe dos 60% de aproveitamento indispensáveis, vai acabar deixando a escola cedo ou tarde, por desestímulo ao seu próprio talento. Vai se perceber sempre insuficiente e inadequado. Não encontrará motivos para estudar.
Por que não tolerar a reprovação de apenas uma disciplina? Já seria de bom tamanho: uma prova de credibilidade para aquele que apresenta dificuldade pontual e específica num determinado tema. Acumular quatro reprovações é a sentença de que não aprendeu nada - e entraremos no modo automático do fingimento: o aluno finge que sabe, o professor finge que ele passou. _
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