quinta-feira, 27 de novembro de 2025

27 de Novembro de 2025
CARPINEJAR

"Ne nuntium necare", governador!

O diretor-presidente da Fundação Theatro São Pedro, Antonio Hohlfeldt, desafiou o governo: decidiu suspender a assinatura dos contratos do Multipalco para espetáculos da temporada de 2026 por limitação do quadro funcional, cuja demanda triplicou com a implementação dos novos espaços, sem aumento proporcional do número de servidores (que remonta a 2014).

O estopim da crise cultural teria sido o fato de o governo ter encaminhado uma série de projetos para análise da Assembleia e deixado de fora a ampliação estrutural da fundação. Dois anos de reivindicações entraram no vácuo.

O governador Eduardo Leite, em vez de resolver o problema, que afeta o funcionamento do santuário teatral do Rio Grande do Sul, penalizou o mensageiro e demitiu Hohlfeldt.

Hohlfeldt não era um CC qualquer: escreveu a biografia da lendária Eva Sopher, tornou-se seu sucessor natural, e estava no comando da instituição havia sete anos. Foi vice-governador, professor da PUCRS, patrono da Feira do Livro e um dos teóricos mais longevos da nossa ribalta. Não tem como questionar a sua trajetória nem os méritos da sua batuta firme e indefectível.

Pior seria se fosse conivente, e abandonasse a deus-dará os dois teatros recém-estreados, o Olga Reverbel e o Simões Lopes Neto, sacrificando aqueles que pagam ingresso. Logo o esforço de décadas para levantar fundos seria pulverizado em reclamações no Procon.

O que me causa espanto é que a dispensa sumária, essa punição pela liberdade de opinião e autonomia do órgão, não condiz com a postura pública adotada por Leite, priorizando o diálogo contra a polarização e o extremismo, apresentando-se como uma terceira via presidencial mais ponderada. Lembro-me de sua entrevista para a CNN: "Algumas pessoas identificam em mim, por exemplo, alguém muito conciliador, que busca não se contrapor aqui ou ali".

Não há sentido no que parece uma retaliação justamente de quem promove a coexistência de diferentes pontos de vista e a racionalização dos processos democráticos. Não era o caso de se sentar à mesa e procurar uma solução conjunta? Precisava chegar a esse desfecho?

Mexeu num vespeiro, porque o São Pedro é uma embaixada da arte. Os principais atores e atrizes nacionais disputam a locação do palco. Uma temporada lá é sinônimo de credibilidade e de êxito. Dificilmente a casa fica vazia; conta com espectadores fiéis e constantes. A atitude soará como truculência intempestiva para a classe artística.

Hohlfeldt estava tão somente defendendo a cultura e o padrão de excelência de nosso glorioso cartão de visita ao turismo. Não se mostrava preocupado com seu cargo. Seu protesto sequer significava greve - todos continuariam trabalhando -, mas responsabilidade, reconhecendo a insuficiência de recursos humanos para seguir com os espetáculos em cartaz. Não dava para estabelecer contratos sem a garantia de que a equipe estaria apta a cumprir as exigências das produções teatrais. Multas ocasionadas por possíveis atrasos e cancelamentos endividariam o Complexo Multipalco. Só quem é da área entende essas minúcias que podem levar à falência até um lugar tradicional.

O desabafo de que não existiam condições de manter a normalidade - ou fingi-la com um plantel defasado de profissionais, sem iluminador ou mesmo um encarregado de abrir as cortinas - representava mais uma virtude de transparência do que um defeito de insubordinação. Não se tratava, em nenhum momento, de vaidade, mas de verdade.

Demoro a crer que Eduardo Leite, que costuma cantar músicas em solenidades, que sustenta um perfil culto e refinado, seja capaz de silenciar uma voz de crítica construtiva. Consiste em perder a valiosa chance de crescer com o contraponto e justificar as suas palavras tão bonitas sobre pluralidade. Afinal, o complexo foi inaugurado na sua gestão. É também obra do seu apoio. Alardear a grandeza do Theatro São Pedro é do seu mais profundo interesse. _

CARPINEJAR

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