
Os doceiros de rua
Fazia muito tempo que não me aventurava no algodão-doce. Desde menino. Fui tirar a teima do gosto sentimental na Feira do Livro de Porto Alegre. O batismo não é por acaso. É excessivamente doce.
Abocanhei um chumaço apenas, e foi uma overdose. Extrapolei a minha cota de glicose pelo resto da vida. Ofereci o produto quase intacto a uma família com filhos pequenos acomodada num banco da Praça da Alfândega, mais por incompetência do que por generosidade.
Um adulto devorando aquela nuvem colorida é histriônico, não combina com a meia-idade.
Homens com barba não poderiam comer. Deveria ser proibido. Mesmo agora, depois de sucessivos banhos, o novelo ainda não saiu totalmente do meu rosto. É pior do que glitter. Estou com a barba brilhando. Minha barba rosa. Minha barba guloseima.
Na infância, eu preferia uma massinha adocicada e crocante, vendida por ambulantes que exibiam uma claquete.
Chamava-se biju, mas ninguém a mencionava assim. Ficou popularmente conhecida como "casquinha". O apelido pegou mais do que o próprio nome, como costumava acontecer na escola.
Os vendedores carregavam uma lata com alça nas costas, disputando a atenção das crianças do bairro e contando com a distração dos pais. A casquinha se assemelhava à do sorvete. Era feita de farinha, açúcar e água, na forma de tubo ou cone.
Meus amigos não viam graça nenhuma naquele petisco que se esfarelava na primeira mordida. Eu adorava.
Havia um delivery pré-histórico dos doceiros que desfilavam em frente às casas, na hora do almoço. Não se mantinham fixos numa esquina como os donos dos carrinhos de pipoca e churros. Não se valiam da imobilidade de um ponto como os quitandeiros de amendoim torrado, quebra-queixo, pirulito vermelho que imitava uma crista de galo. Tampouco se mostravam invasivos, batendo na porta, como os que comercializavam itens de beleza e enciclopédias. Eles simplesmente passavam, e aqueles que quisessem precisariam ir atrás.
Cada um possuía o seu sinal, o seu reclame, o seu assobio para a tentação. Quem vendia picolé usava a corneta, quem vendia casquinha usava a matraca, quem vendia melado usava o alto-falante, quem vendia puxa-puxa usava o grito, e se misturavam na teia de sons, junto ao apito do amolador de facas.
Das carrocinhas ecoava uma voz que repetia rapidamente, de modo frenético e consecutivo, como disco arranhado: "Mel, melado e rapadura".
Meus irmãos e eu entendíamos "Gelo gelado de água pura". Permanecíamos na janela vigiando, como estátuas namoradeiras da repentina sobremesa.
Solicitávamos o serviço e começava uma árdua negociação com os pais. Sofríamos com o suspense, lançávamos nosso olhar pidão de súplica, implorávamos pelas moedas, recebíamos sempre a recusa inicial, até que a mãe cedia e abria a carteira - no fim, comprava não por nós, não para nos acalmar ou nos contentar, mas por pena do rapaz esperando no portão. _
CARPINEJAR
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