TEMPORAL NO MARCO TEMPORAL
Com a chegada de Cristóvão Colombo às Américas e de Pedro Álvares Cabral à Terra de Vera Cruz (hoje Brasil), abriu-se um debate teológico que estremeceu as três religiões do Ocidente - judaísmo, cristianismo e islamismo. Indagava-se: afinal, aqueles indígenas que andavam nus, respeitando-se mutuamente e que desconheciam o pecado, não seriam a evidência de que a Torá e a Bíblia estavam equivocadas e que Deus não havia desfeito o Paraíso?
Sim, pois aquilo que os conquistadores europeus aqui encontraram era a descrição do Paraíso, tal qual os livros sagrados diziam. O debate teológico cedeu lugar à ciência social e tudo se resolveu.
Agora, no Brasil, o "marco temporal", tal qual aparece na Constituição de 1988, renovou o assunto, mas já não no aspecto teológico, e sim na visão histórico-sociológica. Quando os europeus aqui chegaram e encontraram a terra habitada por milhares, significava que já havia dono no exato sentido do termo que hoje damos à propriedade.
Eis aí o ponto de partida para que o STF decidisse contra o marco temporal, mesmo que o tema não tenha sido tratado dessa forma. Historicamente, a decisão foi coerente. Pergunto: a quem pertenciam as terras habitadas séculos atrás? Ou delas não foram expulsos os indígenas?
A Constituição deixou margem ao debate, levando a entender também que aquelas terras pertenciam apenas aos povos que as ocupavam até a promulgação da Carta Magna, em 1988. O assunto vai adiante com a convenção da ONU garantindo aos povos originários o direito incontestável à terra.
De outro lado, há milhares de agricultores "brancos" que "adquiriram" as terras na boa-fé e que as cultivam e, assim, nos alimentam. Eles não são delinquentes que se apropriaram da terra com a violência da bandidagem. Bandidos foram os usurpadores que expulsaram os indígenas. Os que hoje habitam o RS foram expulsos do oeste catarinense, fugindo à perseguição que destruía e matava.
Resta saber se a decisão será cumprida para que o marco temporal não vire um temporal.
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